Minha trajetória a partir do Curso de Filosofia Clínica
Artigo de Maria do Carmo Dondelli Paulillo. Aluna do Curso de Formação em Filosofia Clínica – Instituto Packter – Secção Florianópolis.
Começo esse texto citando Caetano Veloso que na letra da linda e delicada canção Dom de Iludir, nos diz que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Hoje, com o curso de Filosofia Clínica praticamente concluído, me arrisco a dizer que há nessa frase um pré-juízo ou uma universalização do que é conhecer-se, quando pesquiso termos que nos foram apresentados logo no início do curso.
Nada disso tira a beleza da poesia, somente ilustra o pouco do muito que a Filosofia Clínica tem a nos apresentar.
Quando volto no tempo e faço um deslocamento para a graduação em Filosofia, na qual estreitamos contato com os grandes mestres que ainda fazem reverberar em nós seus ensinamentos, houve uma escola que, em meio a tantos axiomas e alegorias, atraiu especialmente minha atenção: o Estoicismo. É aqui que acabo fazendo uma identificação subjetiva maior, que é parte de uma busca por dar sentido à existência e às questões que inserimos nela durante nossa jornada. Segundo os estoicos, se consigo chegar ao bem viver com retidão de caráter, resiliência, serenidade e paz de espírito, estarei inserida entre os que conseguem a ausência de perturbações, a desejada ataraxia. Uma valorosa sugestão como outras na Filosofia, visando a autotransformação. Porém, percebo que essa orientação pode não ser adequada ou facilitada a todos que procuram entendimento a respeito dos desajustes que os cercam. Tudo pode ser mais complexo.
E em meio a leituras, construções diárias do pensamento, buscas por aprofundamentos na compreensão do fenômeno humano, surge a Filosofia Clínica, numa proposta de acolhimento, escuta, respeito. Uma nova leitura da filosofia acadêmica, um novo e intrigante método terapêutico.
A partir daí o curso se desenvolve nos desafiando a esvaziar pressupostos de bom, mau, certo, errado, normal ou não. Enaltece o pensamento de que cada um tem seu contexto histórico próprio, que não se repete. Prioriza a narrativa daqueles que chamam de partilhante, ou seja, aqueles que se submetem à clínica filosófica. Procura identificar contextos circunstanciais, as espacialidades, relações com o tempo e também interseções. Esse mesmo partilhante é quem no modo particular de expressão, apresenta sua estrutura de pensamento, tópicos e submodos, fazendo a singularidade da composição da clínica, deixando vir à tona aquilo que compõe seu funcionamento e o que é preciso ser ajustado.
É na matriz discursiva desse que partilha sua historicidade, que o Filósofo Clínico extrai material para o trabalho, dentro do método e rigor ético.
Sinto-me encantada diante do manancial de possibilidades de minimizar sofrimentos ou simplesmente viver melhor. Sinto também, utilizando-me agora de vice conceito, como se um novo tecido que cobre, embeleza e aquece a vida, pudesse ser reproduzido a partir de fios já existentes. Uma chance de refazer a trama desgastada, formando uma composição mais harmoniosa. O recriar desafia, exige trabalho, paciência e o entendimento de que essa nova conformidade respeita cores, dores e amores. Quem vê o trabalho pronto e se admira com o resultado, provavelmente não reconhecerá de que maneira a tela existencial foi renovada. Um novo encadeamento, uma nova forma. Unidos, esses fios continuam sendo o alicerce e o apoio da história da vida de quem teceu.
Se me fiz entender ou se pude entender um pouco do que é a Filosofia Clínica dentro da minha trajetória até aqui, posso ainda dizer que é um exercício existencial constante, com a qualidade do que está sempre em expansão e trazendo consigo a flexibilidade do que pode ser revisado a qualquer instante.
Termino esse texto da mesma maneira que iniciei, porém, citando outro grande poeta, que foi Paulo Leminski em: Incenso Fosse Música:
“isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além”
Um Filósofo Clínico dirá: Será? Pode ser que sim, mas também pode ser que não!!
Maria do Carmo Dondelli Paulillo
São Bento do Sul 19 de agosto de 2022.