A Transcendência do Ego
JEAN-PAUL SARTRE
Esboço de uma descrição fenomenológica,
La transcendance de l’ego, 1936-1937.
JEAN-PAUL SARTRE, 1905-1980.
Sartre, nesse primeiro ensaio, interroga-se sobre os elos entre consciência, “Eu” (“Je”), eu (moi) e ego. A hipótese – kantiana – é que há desdobramento da consciência: se nossa consciência acompanha nossas representações, deve necessariamente haver uma consciência transcendental para afirmar essa consciência empírica.
“Ser consciência é ser consciência de alguma coisa”, segundo o princípio fenomenológico proposto por Husserl. Há portanto, além de nossa consciência reflexiva, uma consciência irrefletida. Quando pego uma cadeira, sei que estou pegando uma cadeira (consciência interior e reflexiva), mas antes mesmo dessa consciência, há a cadeira: consciência irrefletida do objeto exterior, que não se toma a si mesma por objeto, mas que traz à existência a consciência de todo objeto. Essa “consciência de consciência” é impessoal, desprovida do Eu. “Assim, a consciência que diz ‘Eu penso’ não é precisamente essa consciência.” Há, pois, três graus de consciência: a consciência irrefletida, a consciência reflexiva e o ato que une esse desdobramento. Nesse terceiro grau – que Husserl denomina “redução fenomenológica” (epoché), porque reduz o transcendental ao empírico – aparece o Eu, não concreto mas existente, real. Esse Eu do cogito dá-se como transcendente, pois é o princípio unitário de nossas ações. Corresponde-lhe o eu, material, formado do conjunto de nossos sentimentos (estados ou qualidades). Ambos constituem aquilo que Sartre chama de ego (a personalidade), incognoscível porque íntimo, mas princípio de unidade de todas as nossas produções. Ele é o objeto que a consciência reflexiva descobre: “O ego está para os objetos psíquicos como o mundo está para as coisas.”
Em 1934 Sartre estudou fenomenologia – Heidegger e Husserl- em Berlim, e a divulgou na França através desse breve tratado publicado dois anos mais tarde. Esgotando seus fundamentos nos pensamentos cartesiano e spinozista, esse ensaio pretende também ser uma resposta aos idealistas: não há um Todo superior à consciência, do qual esta dependeria; a consciência é autônoma e intencional. Essa teoria da consciência fundamenta aquilo que será chamado de “existencialismo sartriano”, cuja formulação mais acabada está em O ser e o nada.
Estudo: F. Jeanson, Le problème moral et la pensée de Sartre, Le Seuil, 1966.