Totalidade e Infinito – Emmanuel Levinas
TOTALIDADE E INFINITO.
Ensaio sobre a exterioridade,
Totalité et infini. Essai sur l’extériorité, 1961.
Emmanuel Levinas.
Essa obra desenvolve uma crítica da totalidade, ou seja, da exigência de saber absoluto na filosofia ocidental (cujo auge é Hegel) e da visão totalizante que caracteriza todos os grandes sistemas filosóficos. Para Levinas, a experiência essencial não está na síntese, mas na relação intersubjetiva, o face-a-face dos seres humanos, a sociabilidade, a relação ética. “Este livro se apresenta como uma defesa da subjetividade, mas ele não a captará no nível de seu protesto puramente egoísta contra a totalidade, nem em sua angústia diante da morte, mas como fundada na idéia do infinito” – anuncia Levinas no prefácio. A idéia de totalidade deve ser distinguida da idéia de infinito. O infinito se produz na relação do mesmo com o outro – o termo “produção” deve ser entendido como efetuação do ser, exposição ou elucidação do ser. O lugar dessa “produção” é a subjetividade, que é a acolhida de outrem, hospitalidade. “Nela se consuma a idéia de infinito.”
O saber como intencionalidade não é, para Levinas, adequação ao objeto, mas, ao contrário, inadequação por excelência. Todo saber supõe a idéia de infinito porquanto é capacidade de conter o infinito. Saber não significa abarcar a realidade em sua totalidade, mas poder a qualquer momento exceder os limites de um conteúdo pensado, “galgar as barreiras da imanência”. A idéia de infinito move a consciência. Ela não é representação do infinito, mas contém a própria atividade; ela é a fonte comum da atividade e da teoria.
A lucidez filosófica e ética consiste em entrever a possibilidade da guerra. A guerra não manifesta a exterioridade e o outro como outro; ela “destrói a identidade do mesmo”. E a paz não restabelece essa identidade perdida na alienação. É preciso instituir, conforme Levinas, “uma relação originária com o ser”. Ora, é o rosto da guerra que “se fixa no conceito de totalidade que domina a filosofia ocidental”. A escatologia, ao contrário, instaura com o ser uma relação que se situa além da totalidade da história. Em Levinas, a paz não toma lugar no fim da história. “Da paz só pode haver escatologia.” A totalidade objetiva não preenche a verdadeira medida do ser. É o conceito de infinito que exprime essa transcendência em relação à realidade, “não englobável numa totalidade e tão originária quanto a totalidade”. Nos filósofos, a experiência e a evidência são antes de tudo experiência da guerra. A filosofia é uma tentativa de viver, começando na evidência, mas, para Levinas, “a evidência filosófica remete a uma situação que não pode mais se dizer em termos de totalidade”. O que equivale a afirmar que a escatologia não substitui a filosofia, mas a prolonga.
A situação em que a totalidade se rompe é o face-a-face. O rosto do outro é estilhaço da exterioridade e da transcendência. O acesso ao rosto é ético de saída. O rosto é significação, e significação sem contexto. Ele é o que não pode tornar-se conteúdo, o que o pensamento não pode abarcar totalmente, o incontenível e o infinito que nos levam além. A visão é busca de adequação. Ora, o rosto é aquilo que não pode ser visto, o que não se reduz à percepção que dele temos. Há no rosto uma fragilidade e uma pobreza essenciais (o rosto fica exposto, nu), mas também uma primeira fala a enunciar uma ordem: “Não matarás.” O outro é ao mesmo tempo aquele contra quem posso tudo e a quem devo tudo. No acesso ao rosto, há acesso à idéia de Deus, à idéia de infinito que, como em Descartes, excede o pensamento. Mas para Levinas, a relação com o infinito não é um saber, porém um desejo, sendo o desejo concebido como “um pensamento que pensa mais que pensa ou que pensa mais do que aquilo que pensa”. A idéia de infinito é a condição de toda verdade e de toda objetividade: “É o espírito antes de se oferecer à distinção daquilo que ele descobre por si mesmo e daquilo que recebe da opinião.”
Se entendermos por experiência a relação com o absolutamente outro, a relação do pensamento com o infinito – esse transbordamento no qual se produz “a infinição” do infinito – será então a experiência por excelência. Opor infinito a totalidade, para o autor, é opor respeito ao ser a apropriação do ser, ética a saber. E apresentar a exterioridade do ser como essencial é conceber o infinito como desejo de infinito, e, assim, apresentar a metafísica como desejo, e produção do ser como ser-para-outro, e não mais como negação do eu. O eu se conserva em sua bondade e seu respeito pelo ser.
O pensamento de Levinas, nessa que é sua obra mais importante, foi amplamente influenciado pela filosofia israelita, sobretudo pelos trabalhos de Franz Rozensweig, que foi o primeiro a insurgir-se contra as “totalizações” da filosofia ocidental.
Estudo: F. Poirié, Emmanuel Levinas, col. “Qui êtesvous?”, La Manufacture, 1987.
Este artigo foi publicado anteriormente neste site em 9 de junho de 2009