A filosofia clínica como exercício filosófico na busca de uma existência possível: Ensaio em primeira pessoa do início da jornada
Artigo de Jacqueline Carrilho Eichenberger . Aluna do Curso de Formação em Filosofia Clínica – Instituto Packter – Secção Florianópolis.
Primeiras reflexões
Possui a vida um sentido? Pergunto. Viver e morrer! A biologia trata de dar um sentido a vida: perpetuar a espécie. Mas, dada a subjetividade humana, de pensar sobre o que penso, se manter vivo não se trata de uma finalidade, mas de um meio. Sem passado, sem futuro, uma existência determinada! Falo de uma existência que revela nosso traço único, nosso dado singular, nosso ser-no-mundo. Uma existência autêntica. Se tudo que sou é um “tempo que se esgota” alienada de mim mesma, a angústia se revela como um não pertencimento no mundo. Um ente que vaga entre a vida e a morte. Percebo que a vida não tem sentido e que nós é quem damos sentido para ela.
Para além do certo ou errado, a partir de minha jornada no exercício do filosofar, passo a observar a possibilidade de desenhar um plano de possibilidades, uma existencia possível. Decido acolher minha própria história. Aos poucos percebo o que me atrai e o que me afasta. Assim, embalada pela corrente existencialista da filosofia contemporânea, reflito sobre a existência como um modo de ser próprio do humano, envolvido em relacionamentos de si e do outro e das possibilidades de resolução. Tais inspirações agora ganham contexto em minha própria história à medida que revela a possibilidade mais próxima de meu ser.
Percorrendo o caminho
Durante as primeiras aulas de Filosofia Clínica uma alegria se revelou para mim. Se busco uma existência possível é possível perceber que a filosofia clínica é a própria existência revelada por cada estrutura de pensamento. Um exercício filosófico, um caminho, “um testemunho dessa existência”, um agendamento que me pareceu fundamental. Dados os primeiros passos, grandes descobertas. De imediato, a necessidade de rever meus próprios pré-juízos onde a queda é eminente, seguida de grandes desconstruções e reconstruções. Aos poucos consigo enxergar o que penso do mundo ao mesmo tempo que é preciso dar conta da pergunta fundamental sobre o que penso de mim e minhas relações. Um ser movido pelos sentidos ou pelas abstrações – pensamentos. Unívoco, equívoco? Do que trata o conhecimento de ti mesmo?
Com o passar dos dias, a reflexão sobre o contexto, o lugar, as divisões feitas pelo caminho. Olho para o passado em busca de antigos agendamentos, da clareza do que é universal, particular e do que é essencialmente singular de mim, nos discursos ora completos, ora incompletos de meu ser. A possibilidade de estruturar o raciocínio como necessidade de reler fragmentos da história própria e na análise pautada pela lógica, linguagem, intuição, uma epistemologia capaz de evidenciar minhas buscas, minhas paixões, comportamento, função. Experimento o tanto de sagrado que esse movimento representa, do encontro com a presença, capaz de revelar, ainda, o avesso de mim. Lentamente, me coloco em movimento no espaço existencial e tenho buscado perceber a minha própria localização.
Durante o caminho percorrido em minha jornada existencial, a partir do exercício do filosofar proposto pela Filosofia Clínica, passei a prestar mais atenção as representações a minha volta, as imagens, os sons, as cores, o silencio, ou seja, tudo aquilo que não é expresso em palavras. Penso, com olhar atento, sobre os significados, o valor das coisas para mim, atenta as armadilhas e aos padrões que nos cegam durante o caminho. Observo uma tríade formada por ação, hipótese e experimentação, algo sobre o que habita na interseção, despida diante do outro e ciente das bases categoriais que carrego. No outro reconheço minha própria existência. Uma espécie de equação matemática que leva a uma resolução. Certa plenitude em possibilidades de compreensão de meus movimentos autogênicos ou, na qualidade de como realizo minha jornada. Passo a perceber os possíveis ajustes nas diferenciações do movimento de forma alcançar certo equilíbrio de meu ser.
Na busca de uma existência possível, a Filosofia Clínica como a possibilidade de pensar e sistematizar minha história ao longo do tempo e perceber certa estrutura de pensamento. No exercício do filosofar compreendo, aos poucos, o modo como desenvolvo minha existência. Atenta as diferentes possibilidades propostas pelo caminho, uma espécie de calmaria, como a de um navegador que calmamente define sua rota antes da tempestade. Diante das predições, reoriento a visão singular e universal, experimento sensações, ideias complexas rumo a construção de esquemas resolutivos diante de determinados conflitos. Experiencio uma plenitude e a autonomia do pensamento, a possibilidade de determinar, a mim mesma, outras possibilidades para o caminho a seguir.
Experimento a inversão, busco desfechos, reoriento minhas divisões, argumento, crio atalhos, outras vezes não. Busco e realinho as buscas, adiciono, roteirizo e percepciono. Observo que posso recorrer a esteticidade para experienciar o caos e logo em seguida descansar na calmaria. Na tradução, intensifico minhas experiencias e, com a compreensão sobre minha própria história, ponho-me em contato com o meu próprio agir. Absorvo a possibilidade de substituir símbolos que não mais cabem e construir cenários. Um olhar mais aprofundado para a intuição e para o que é inédito, além de elevar meu pensamento no impulso libertário para aprender, reconstruir, expressar e conciliar novos valores de verdade acolhidos com cuidado, com agradecimento, responsabilidade – ética, humildade e amor.
Em direção ao desfecho
Na busca de uma existência possível percebo que o exercício filosófico proposto pela filosofia clínica é de fundamental importância na compreensão de mim e do outro possibilitando uma maior qualidade em minhas relações cotidianas. Durante os últimos meses experimento a possibilidade de uma existência plena, refletida, possível, em uma sociedade que nos afasta de nós mesmos e nos coisifica. Ao falar em primeira pessoa falo de mim na interseção em sua qualidade e determinação. A jornada se mostra como uma propedêutica, o início do caminho para grandes descobertas. A filosofia clínica como um modo de exercer nossa humanidade. Sigo transformada em direção ao outro ciente dos limites e das possibilidades. Experimento um forte sentimento de humildade e novas percepções sobre o amor, novas percepções sobre a vida e sobre existência.
Blumenau, 11 de agosto de 2022.
Jacqueline Carrilho Eichenberger – Estudante do Curso de Filosofia Clínica. Certificado B. Clínica Packter – Professor Bruno Packter.