Primeiros contatos de um bacharel em Psicologia, com a Filosofia Clínica.
Artigo de Oscar Luiz Torres. Aluno do Curso de Formação em Filosofia Clínica – Instituto Packter – Secção Florianópolis.
Quem estuda psicologia (em grego, “estudo da alma”), que pode ser definida a grosso modo, como a ciência que estuda o pensamento e o comportamento, aprende nos bancos escolares, que a psicologia científica nasceu no Laboratório de Psicologia na Universidade de Leipzig, na Alemanha, em 1.879 e com o tempo, foram surgindo áreas dentro dessa ciência, incluindo diversas técnicas de psicoterapia e aconselhamento psicológico, como psicanálise, psicologia humanista, análise do comportamento, psicologia cognitivo-comportamental e diversas outras.
Entretanto, o estudo do comportamento humano não teve seu início no laboratório de Wundt, em Leipzig. Na realidade, há cerca de 2.500 anos, na Grécia, durante a antiguidade clássica, surgiram homens que tiveram a brilhante e inovadora idéia de buscar racionalmente, explicações naturais para o universo, explicações essas, que não estivessem baseadas em causas sobrenaturais – como por exemplo, se parou de chover, é porque alguma divindade ficou irritada ou triste – sendo esses homens, chamados de filósofos, palavra que em grego, significa “amizade pela sabedoria”.
As especulações dos filósofos abrangiam áreas que hoje são chamadas de ciências, sendo que os filósofos, através da observação da natureza e com a realização de medições e experimentos, filósofos pré-socráticos fizeram descobertas notáveis, como medir o diâmetro da Terra e medir a distância da Terra ao Sol.
E uma das áreas que os filósofos gregos se destacaram, foi o estudo do comportamento humano e do pensamento, com filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles debatendo e discorrendo sobre comportamento moral, política, organização das cidades, patriotismo, comportamento amoroso, relacionamentos, amizade e, numa fase posterior, outros filósofos, como Diógenes, Epicuro e Epiteto, chegaram até mesmo a propor que a melhor forma de se viver, seria se afastando da vida política e do luxo, se devendo buscar a felicidade, levando vidas mais simples, ora se buscando o prazer, ora levando uma vida buscando a aceitação dos inevitáveis sofrimentos da vida e cultivando mais o interior, do que ficar tentando controlar o incontrolável mundo externo.
Após as cidades-estados gregas serem conquistadas por Roma, a filosofia alcançou uma abrangência maior no mundo clássico e com a queda do Império Romano, a filosofia greco-romana influenciou o pensamento cristão, do Catolicismo Medieval, em sua busca pelo sentido espiritual da vida, sendo que, apesar de muito da filosofia greco-romana haver se perdido, também muito se preservou e ao final da idade média, obras que haviam se perdido, como a de Aristóteles, foram redescobertas.
Com o renascimento, idade moderna e iluminismo, surgiram muitos outros filósofos que continuaram o trabalho de compreender o pensamento e o comportamento humano e se estudando essas obras, fica-se com a impressão de que não existe dilema ou problema humano, que já não tenha sido debatido ou estudado no passado, por mentes brilhantes e inovadoras.
Por exemplo, frente a sofrimentos horrendos, como a perda de um filho ou da saúde, a filosofia estóica pode indicar um bom caminho, já para um soldado se aprontando para o combate, o pensamento dos filósofos socráticos, com seus ideais de patriotismo e bravura, seriam úteis, enquanto que para uma pessoa com grandes problemas em relacionamentos, Schopenhauer poderia indicar uma forma adequada de ver seus problemas. Já alguém com fortes questionamentos, em uma busca espiritual, poderia se beneficiar da filosofia do filósofo Santo Tomás de Aquino…
E a filosofia clínica, que é uma abordagem terapêutica sistematizada pelo filósofo brasileiro Lúcio Packter, usa o conhecimento filosófico teórico, da filosofia acadêmica, direcionado-o à prática terapêutica.
Essa modalidade de psicoterapia denominada filosofia clínica, ocorre em uma sequência de passos, sendo o primeiro deles, o atendimento inicial, que é o momento em que o partilhante (a denominação que recebe a pessoa que foi em busca da terapia) informa o que busca na clínica e é informado de forma geral, sobre como a terapia funcionará. Nesse atendimento inicial, o filósofo clínico procurará construir uma intersecção positiva (em psicologia clínica seria a relação terapêutica, com sentimentos positivos e confiança mútua).
Observa-se que nessa primeira sessão, deverão ser efetuados o mínimo de agendamentos (seriam interferências e aplicações de algum tipo de técnica terapêutica), inclusive evitado se perguntar “como você se sente”, ou “o porquê de algo”, exceto em casos de urgência.
A terapia começa efetivamente, com a fase chamada estudo da historicidade, que é a ação em que o partilhante conta a história de sua vida, ao filósofo clínico. Essa história deve ser gravada ou anotada, podendo ser guardada na memória do próprio filósofo e também os agendamentos do filósofo deverão ser mínimos, como por exemplo evitar falar que passou pela mesma experiência.
Essa fase da historicidade dura quatro ou cinco sessões, com pouca interferência do filósofo e após o histórico completo, se deverá pesquisar trechos não entendidos, através dos dados divisórios, que é o aprofundamento de lacunas temporais na historicidade e através do enraizamento, que serve para aprofundar a historicidade (por exemplo, dizer “me fale mais sobre isso, dê exemplos”).
A fase seguinte é a chamada de exames categoriais, que serve para se obter a localização existencial da pessoa. Nessa fase, se deverá atentar a problemas relacionados ao logicismo formal nas construções mentais do partilhante e pesquisar os dados celulares, singulares, que deram origem aos conceitos particulares e universais, identificar a relação entre os conceitos e os dados sensoriais.
São usadas cinco categorias nos Exames Categoriais:
– Assunto, que pode ser o imediato (por exemplo, enxaqueca); e o assunto último (o que causa essa enxaqueca);
– Circunstância, que são os aspectos em volta da pessoa, em contato com ela, em seu contexto de vida;
– Lugar, que é a sensorialidade, a corporalidade;
– Tempo, que é a relação entre tempo objetivo e subjetivo – por exemplo, se o patilhante vive mais no passado, no presente ou no futuro, se para ele o tempo é veloz ou vagaroso, etc;
– Relação, com outras pessoas e coisas;
Os exames categoriais findam quando se localiza e contextualiza informações soltas ou agrupadas que a pessoa fornece, com as mesmas ganhando contexto.
A próxima fase, a pesquisa da Estrutura de Pensamento – EP, vem depois de finalizados os exames categoriais. EP é o modo como está existencialmente a pessoa, a maneira como estão associados seus sentimentos, entendimentos, dados éticos e epistemológicos, religiosos, é tudo o que está na pessoa: conhecimento, aptidões, emoções, sensações, etc.
Dentro da EP, existem submodos informais (submodo é a maneira como informalmente a pessoa exercita aquilo que está nela, por exemplo, comprar flores para expressar amor) associados. As pessoas podem usar durante toda a vida dois ou três submodos básicos para quase todas as questões; outras pessoas sabem usar submodos adequados a cada contexto; outras se atrapalham e então o filósofo clínico deverá estudar quais submodos o partilhante usa, se os usa com eficácia, se outros submodos podem ser usados de forma mais adequada sobre problemas específicos a serem tratados na EP.
Depois de conhecer a EP, é possível ao filósofo clínico, o diagnóstico do problema, com “exatidão por aproximação”, sendo que esse conhecimento torna perceptíveis os grandes choques entre tópicos (por exemplo, emoções versus pré-juízos) da EP, nós cegos importantes das questões essenciais.
Após o filósofo identificar as questões que serão trabalhadas em clínica, tem à disposição trinta e duas intervenções ou procedimentos clínicos, como por exemplo, reflexão, aconselhamento, estudar como funciona, se livrar da dor, conversar, indagações sucessivas, etc. Deve ser lembrado que o filósofo clínico não usa o nome “técnica” a essas intervenções, por pressupor a palavra “técnica”, um modo rígido. Em vez disso, o filósofo usa para essas intervenções, o nome “submodo” – o modo de baixo para cima, subalterno à estrutura de pensamento.
Esses trinta e dois submodos são usados pelo filósofo clínico, após conhecer a EP e realizar o diagnóstico do problema, sendo que essa grande variedade de procedimentos permite a criação de uma terapia feita sob medida para cada partilhante, se evitando fazer terapias “de chapa”, que não funcionariam, porque tratam todas as pessoas com os mesmos procedimentos, sendo que os trinta e dois submodos da filosofia clínica, associado ao prévio conhecimento da EP do partilhante, torna a terapia mais eficaz, evitando que a terapia se torne apenas um bate-papo com um amigo remunerado.
Um exemplo de submodo, é o denominado “argumentação derivada”, que é aquele, no qual o filósofo pesquisa as causas e origens de determinado evento, com base na EP da pessoa. Para muitos, saber o que está causando seus sofrimentos representa livrar-se deles, embora para alguns, isso poderá piorá-los.
Outro submodo muito interessante, se chama “esquema resolutivo”, que é aquele um, no qual o filósofo não procura mais as causas do problema e, em vez disso, estuda a maneira como a pessoa raciocina, para usar esta mesma maneira, para resolver seu problema. Se observa que a EP do partilhante pode indicar que o esquema resolutivo não funcionará, para pessoas que não suportam ter de raciocinar a propósito de seus próprios problemas, o que para elas, pode ser penoso ou aborrecedor demais, havendo partilhantes que preferem resolver seus problemas usando sua intuição e seus sentimentos, não usando o raciocínio.
Em busca da lógica nas decisões, existe o submodo denominado “em direção ao termo singular”, que tem o objetivo de trazer especificidade, objetividade, congruência e discernimento às idéias.
Para resgatar lembranças que se perderam, existe o submodo “reconstrução”, também útil para cicatrizar feridas na EP, reconstruindo experiências de pessoal que sofreram. No submodo reconstrução, o filósofo usará os três princípios de David Hume, chamados de contigüidade, causa e efeito e semelhança, no qual, a grosso modo, o filósofo pedirá informações sobre a área subseqüente ao ponto e para cada dado que surgir, o filósofo pedirá mais detalhes e especificidades, sendo a memória se reconstruindo, como um quebra-cabeça. Assim como para qualquer submodo, somente se deve fazer a reconstrução com a pessoa, após a pesquisa dos exames categoriais e da EP, para se evitar desastres clínicos – como por exemplo, a criação de falsas memórias.
Em resumo, a filosofia clínica é um campo cativante, que possui características interessantes, como a ausência de tipologia isto é, não faz diagnósticos de transtornos mentais, indo ao ponto de não usar critérios médicos, como normal versus patológico, doente versus saudável, não receita medicamentos e drogas
Nesta modalidade de terapia, se procura inicialmente localizar existencialmente a pessoa através dos exames das categorias, se obtendo sua localização existencial da pessoa, após o que se obtém sua estrutura de pensamento e seus submodos informais e por final, o filósofo clínico aplica alguns dos trinta e dois submodos, respeitando a especificidade do partilhante.
A terapia filosófica, em sua busca por melhorias na vida do partilhante, não usa fórmulas prontas, como determinar ao partilhante que precisa relaxar, que se deve respirar corretamente, que tal conformação anatômica significa algo específica, etc. Por exemplo, se a pessoa tem uma couraça muscular, a terapia filosófica entende que talvez seja a melhor forma do partilhante viver, ou que é possível que uma respiração curta e superficial é a melhor forma da pessoa conviver com uma fobia e que é melhor o filósofo deixar assim. O partilhante pode lidar com seus problemas fugindo deles, ou pedindo socorro, ou lidando com eles, de uma forma suicida, ou usando métodos racionais, ou negando seus problemas, ou simplesmente os aceitando estoicamente, devendo o filósofo agir como amigo daquilo que o partilhante tem como verdade e não, como o sacerdote do bem e da verdade, pois não existe um absoluto certo ou errado, do ponto de vista existencial.
O tratamento com um filósofo clínico pode durar de seis a dez meses, com no máximo dois atendimentos semanais de 50 minutos, sendo feito em diversos locais, como consultório, jardim, cantina, etc.
Oscar Luiz Torres. Aluno do Curso de Formação em Filosofia Clínica – Instituto Packter – Secção Florianópolis.