O Racionalismo Aplicado – Gaston Bachelard
O RACIONALISMO APLICADO, Le rationalisme appliqué, 1949.
GASTON BACHELARD, 1884-1962.
Na expressão “racionalismo aplicado”, aplicado designa a estrutura dialogada da razão nas ciências, o caráter de duplicidade psicológico-transcendental apresentado por todo conhecimento científico. Este se desdobra necessariamente num pensamento assertórico e num pensamento apodítico. Esse pensamento dual dá ensejo a uma ontologia distribuída em vários níveis de ser: o racionalismo geral, que obedece ao princípio de identidade, “estilhaça-se” em racionalismos regionais; as relações prevalecem sobre as individualidades. É só assim que o racionalismo é encetado, continuado. As regiões do saber científico não são determinadas pelas da experiência comum, mas por um trabalho do pensamento que multiplica, diferencia e refina estruturas; esse trabalho expressa-se como uma determinação da possibilidade de múltiplas axiomáticas para fazer frente à multiplicação das experiências. Uma das novidades da epistemologia contemporânea reside no fato de que “as diferentes abordagens experimentais da realidade mostram-se unidas a uma modificação axiomática das organizações teóricas”. Essa união entre numenal e fenomênico alicerça outra união: a dos trabalhadores da demonstração, que constituem uma grande cidade científica, e que do racionalismo fazem um co-racionalismo.
Regionalizar o espírito não é restringi-lo: é restituir-lhe seu ar de transcendência.
Bachelard apresenta nesse livro dois exemplos de racionalismos regionais: um diz respeito à ciência da eletricidade, o outro, à mecânica clássica, que só pode ser compreendida a partir de um ponto de vista externo ao mecanicismo. Por conseguinte, a filosofia que se depreende dessas análises é uma filosofia funcional, ou seja, de operadores; ao contrário de uma filosofia existencial, ela só começa a existir quando estabelece relações.
Na conclusão, generalizando a partir da experiência da cultura científica, Bachelard mostra que o mundo onde vivemos não é o mundo onde pensamos; mas é preciso ressaltar que este último é o mais tranquilizador. As facilidades do primeiro perturbam; as dificuldades do segundo tranquilizam. O mundo retificado, intermediário entre o mundo estruído e o mundo construído, é também um mundo pacificado.
Estudo: P. Ginestier, Bachelard, col. “Pour connaître la pensée de”, Bordas, 1987.