EMÍLIO, ou Da Educação
EMÍLIO, ou Da educação,
Émile, ou De l’éducation, 1762.
JEAN-JACQUES ROUSSEAU, 1712-1778.
Essa obra, que expõe a teoria rousseauniana da educação, deve ser posta ao lado de A nova Heloísa (1761, teoria da família) de O contrato social (teoria das instituições políticas).
“Tudo é bom ao sair das mãos do autor das coisas; tudo degenera entre as mãos do homem.” Assim começa Emílio. O programa pedagógico de Rousseau é assim traçado: dar à criança e, depois, ao adolescente uma educação negativa, que os proteja o máximo de tempo possível da influência deletéria da sociedade. O pequeno Emílio é criado no campo, longe dos homens e dos livros. A liberdade será o fim e o meio dessa educação, e a natureza o primeiro mestre. A criança se formará por sua própria experiência, sob a égide de um preceptor tão discreto quanto onipresente; pois, embora a criança não deva receber lições de ninguém, a não ser das coisas, é preciso que em torno dela, sem que ela saiba, se organize um mundo capaz de garantir a formação de seu juízo livre. Portanto, nada deverá ser deixado ao acaso.
Nenhum empreendimento educacional poderia prescindir da definição de seus fins. O que se deve formar é um homem e depois – mas só depois – um chefe de família e um cidadão. Como não se quer um “janota” capaz de brilhar nos salões e como dizia Descartes – de “falar verossimilmente de todas as coisas”, não serão cultivadas as virtudes de aparência e a instrução livresca.
Primeiro princípio: deixar a natureza agir, apenas eliminar os obstáculos para seu pleno desabrochar. Não apressar a evolução natural de um organismo e de um psiquismo. Os cinco livros da obra seguem o desenvolvimento natural de um ser, da consciência à razão, passando pela sensibilidade. Rousseau critica Locke por ter querido raciocinar cedo demais com as crianças. Ridiculariza quem ensina a essas pobres crianças fábulas de La Fontaine, que elas não entendem. Portanto, os primeiros instrutores serão a observação sensível e o contato com a coisa. Emílio pode ser considerado o primeiro manual dos chamados métodos “ativos”, não nos esquecendo de que as atividades da criança são dirigidas pela mão invisível de um mestre que sabe em que direção ela vai. Deve-se evitar principalmente ensinar por signos, que as crianças não sabem interpretar ou interpretam bem demais. Nada de lições de moral em forma de sermão, mas sim as que a criança recebe naturalmente, como conseqüências materiais de seus atos. As crianças mentem? “Não cabe invectivar contra a mentira e punir a criança precisamente por ter mentido, mas sim mostrar que todos os efeitos maléficos da mentira, tal como não ter crédito mesmo quando ela diz a verdade ou ser acusada de um mal que não tenha cometido, mesmo quando dele se defende, caem sempre sobre sua cabeça quando ela mente.” Nada de livros, ou o mais tarde possível. Robinson Crusoé será o primeiro. Em compensação, Emílio aprenderá um ofício manual, pois nenhum homem poderia deixar de ser útil a seus semelhantes sem danos para si mesmo e para os outros.
O livro IV trata da educação moral e religiosa. Nele se encontra a famosa Profissão de fé do vigário saboiano, que desencadeou contra o Emílio os furores da Igreja. Rousseau professa a religião natural: Deus é anunciado por um “sentimento interior” e manifesta-se “em suas obras”. São violentamente criticadas as religiões reveladas, que interpõem livros, sacerdotes e ritos entre a criatura e seu Deus; “o culto essencial é o do coração”. Mas a Profissão de fé também não poupa o materialismo e o ateísmo dos filósofos e dos enciclopedistas.
Emílio precisa de uma companheira. O livro V é dedicado a educação feminina, que “deve ser relativa aos homens”. Emílio encontrará em Sofia uma jovem sensível, alegre, elegante sem afetação, coquete sem impudência. Mas o casamento terá de esperar dois anos, tempo em que Emílio aperfeiçoa sua educação viajando. Rousseau escreveu uma continuação que não publicou (Emílio e Sofia), mas que merece ser lida.
Emílio é o maior livro de Rousseau, aquele em que ele pôs toda a sua filosofia. Mas será também aquele que lhe valerá a perseguição mais violenta: o livro é condenado à fogueira pelo parlamento de Paris, e em Genebra Rousseau é condenado à prisão. O arcebispo de Paris, Christophe de Beaumont, inclui o livro no Index, o que lhe valeu uma réplica acerba e sublime: a Carta a Christophe de Beaumont, cuja leitura é imperativa, como complemento da Profissão de fé do vigário saboiano. Foi sem dúvida com essa obra que começou o longo irreversível processo de isolamento que levou Rousseau à beira da loucura.
Edição brasileira: Emílio, ou Da educação, São Paulo, Martins Fontes, 1995.
Estudos: J. Château, Jean-Jacques Rousseau, sa philosophie de l’éducation, col. “L’Enfant”, Vrin, 1962.
G. Besse, Jean-Jacques Rousseau, l’apprentissage de l’humanité, Messidor-Éditions Sociales, 1988.