Fenomenologia como base epistemológica para a Filosofia Clínica
Artigo de Eliodória de Fátima E. Ventura. Aluna do Curso de Formação em Filosofia Clínica – Instituto Packter – Secção Florianópolis.
Em um dos livros didáticos que costumávamos usar para nossas aulas, havia uma metáfora que frequentemente compartilhávamos com os alunos, “a pipa” (ou pandorga). O autor fazia uma analogia entre a pratica de soltar pipa e o fazer filosofia, e dizia que para voar alto a pipa necessitava de bastante corda (barbante), o que permitiria várias manobras, entretanto, para que ela não se perca na imensidão do céu, os pés de quem a manobra deve estar bem firmes no chão. Da mesma forma é a filosofia, ela pode seguir vários caminhos, múltiplas reflexões, mas o fundamento, o método usado deve ser bem estruturado.
Iniciando os estudos, e conduzida pela “metáfora da pipa” busquei no método fenomenológico o “chão”, isto é, o fundamento para seguir no vasto e profundo conhecimento da existência humana por via da Filosofia Clinica.
É mister que o pensamento de Edmund Husserl é a referência e a base de todo o espectro de expressões filosóficas que se pretendem fenomenológicas. Para Husserl, o fenômeno é simplesmente aquilo que se oferece ao olhar do intelectual, à observação pura, e a fenomenologia é o estudo puramente descritivo dos fatos vivenciais do pensamento e do conhecimento proveniente dessa da informação. A orientação da fenomenologia é centrada na direção do conhecimento para o essencial da coisa tal como se apresenta na realidade, de tal forma que devemos distinguir a atitude natural da atitude fenomenológica. Na atitude natural, o foco que temos é imerso em nossa postura original, orientada para o mundo, quando intencionam situações, objetos, fatos e qualquer outra coisa, a atitude natural é a perspectiva padrão, na qual estamos originalmente. Por outro lado, a atitude fenomenológica é o foco que temos quando refletimos sobre a atitude natural e todas as intencionalidades que ocorrem dentro dela, é no interior da atitude fenomenológica que procedemos as analises filosóficas.
O fenomenólogo não procede como lógico que se preocupa em que condições um juízo é verdadeiro, ou como o homem comum, que pergunta se é verdade que…, ou mesmo como o psicólogo que quer saber o que se passa efetivamente na consciência, o fenomenólogo se preocupa apenas com o significado daquilo que temos no espírito quando julgamos, sonhamos ou vivemos.
A fenomenologia não se direciona para os fatos, sejam estes externos ou internos, mas sim para a realidade da consciência, isto é, para as essências ideais. Essas essências ideais são fenômenos, aquilo que se manifesta imediatamente na consciência, alcançado por uma intuição antes de toda reflexão ou juízo. No pensamento comum ainda não filosófico, esse fundamento parece ser a realidade mais natural do mundo, mas para Hursserl apresenta-se como mistério.
Suspendo, assim, todas as afirmações sobre a realidade do mundo, as “teses naturais”, implícitas em todas as ciências; coloco entre parênteses tudo o que a atitude natural contém sob seu aspecto ôntico, nem se nega nem se coloca em dúvida o mundo, mas “suspende-se”, fazendo com que ele se apresente à consciência como puro fenômeno. Neste momento o filósofo procede o que chamamos de redução eidética, mas que não trataremos neste momento.
Segundo Lúcio Packter “o filosofo clínico usa seus conhecimentos filosóficos, com método e fundamentação, na terapia da pessoa”. Sendo assim o filósofo clinico lida com a existência humana, a pessoa (compartilhante) fala do mundo dela, seu entendimento e vivencias. “O mundo é uma representação minha”, como afirmou Schopenhauer, mas este mundo é mais que minha representação.
A filosofia clinica possui três fases ou momentos primordiais; o primeiro são os Exames Categoriais ou Análise Categorial, que tem como objetivo localizar existencialmente a pessoa, isto é, como ela se relaciona com o mundo a sua volta. Estes exames são formados pelas seguintes categorias; assunto (imediato e último), circunstancia, lugar, tempo e relação. A segunda fase é a identificação da Estrutura de Pensamento (EP), que com seus trinta tópicos avalia qual deles prevalece no mapa da EP da pessoa. E finalmente a terceira fase trata do que fazer clinicamente a respeito dos problemas identificados na EP, analisar como os tópicos se articulam e se movimentam na EP.
De acordo com Packter “o filósofo clinico não usa o nome de “técnica”, por pressupor um modo rígido, um estereotipo, o filósofo usa o nome “submodo”, o modo de baixo para cima”, guiando como se deve proceder na clínica, ou seja, deve-se aconselhar, propor reflexão, e como?
Diante desta breve descrição da Filosofia Clinica, percebemos que ela é primordialmente humanista, e precisa de um método teórico que de sustentação a sua técnica. O conhecimento para ser verdadeiro necessita de um método que lhe garanta atingir o conteúdo das coisas, como demonstrara Kant, não se pode igualmente deter-se nas impressões dadas pela experiencia sensível ou explicar os fenômenos mediantes construtos abstratos e formais. A fenomenologia tinha como tarefa revelar o mistério do mundo e o mistério da razão, todos os conhecimentos se apoiam sobre um postulado e sobre nossa comunicação com o mundo, como estabelecimento da racionalidade.
Assim como propusera Husserl “volta às próprias coisas” que implicava “retornar ao mundo antes do conhecimento, esse mundo de que o conhecimento sempre fala e do qual toda determinação científica é abstrata”. A Filosofia Clinica propõe conhecer a EP da pessoa, sem o olhar da patologia ou por conjunto de valores morais ou cientificamente pré-estabelecidos sem antes conhecer como esta pessoa se move no mundo e como este mundo se apresenta para ela.
Na atitude natural adotamos uma postura já estabelecida, originaria do mundo já dado, o filosofo clinico precisa adotar uma atitude fenomenológica, isto é, refletir sobre a atitude natural, sobre os padrões que enquadram os comportamentos e as pessoas. O filosofo clinico se diferencia do homem comum preocupado com verdades, a verdade é “aquela que habita seu coração, suas células, você, (…) há também a verdade convencionada, consensual, estabelecida em conjunto por todas as pessoas” (Packter).
O filosofo clinico busca na historicidade da pessoa a compreensão do ser existencial dela. Assim como a fenomenologia não procura nos fatos internos ou externos o conhecimento filosófico, a filosofia clinica precisa da elaboração da historicidade da pessoa para compreender sua EP e existência no mundo.
A filosofia radical, assim como a filosofia clinica só se faz quando deixa a pretensão de explicar totalmente o saber ou ser a explicação total. Conhecemos uma parte do fenômeno, nunca conhecemos a totalidade, pois o que se apresenta a consciência é o que aparece para ela, da mesma forma a pessoa (em clínica) é o que se apresenta no dado momento através de sua historiografia, podendo ir muito mais além da visão clinica filosófica. A filosofia clinica é esta busca da essência da pessoa.
Instituto Packter
Curso de Formação em Filosofia Clinica/ Florianópolis
Prof: Bruno Packter
Aluna: Eliodória de Fátima E. Ventura
Referências Bibliográficas
HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas Introdução á Fenomenologia. Trad. Maria Gorete Lopes e Souza. Porto. RÉS-Editora Lta. 1988.
INSTITUTO PACKTER. Cadernos de Filosofia Clinica. http;//www.filosofiaclinica.com.br, Porto Alegre.
PACKTER, Lúcio. Filosofia Clinica: Propedêutica. 3 ed. Florianópolis, Garapuvu, 2001.
___________, RASTROJO. José Barrientos, CARVALHO, José Mauricio. Introdução à Filosofia Clinica e Filosofia Aplicada: Avaliações e Fundamentações. Trad. José Mauricio de Carvalho. São Paulo: FiloCzar,2014.