Entrevista Concedida para Acadêmicos do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
O dia do filósofo clínico e especialista em filosofia clínica é comemorado em 08 de julho.
Como homenagem, publicamos a entrevista do prof. Pedro de Freitas Junior concedida para acadêmicos do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
1) Por gentileza, se apresente pra nós, dizendo seu nome, formação e trabalho.
Pedro de Freitas Junior graduado em Filosofia (UFSC – Florianópolis/2003); pós graduado em Filosofia Clínica (Instituto Packter – Porto Alegre/2005); Cursos de Aperfeiçoamento Diálogos entre a Filosofia de Emanuel Levinas e a Filosofia Clínica (Universidade Hebraica de Jerusalém – Israel/2010 e 2012). Professor Adjunto do Curso de Filosofia Clínica em Florianópolis.
2) O que é Filosofia Clínica? Você pode fazer um breve relato da história desta proposta clínica?
A Criação e sistematização da Filosofia Clínica remonta ao final dos anos 1980 quando Lúcio Packter finalizou parte dos trabalhos que levou à criação da Filosofia Clínica. Foi quando Lúcio voltou ao Brasil depois de temporada de estudos pela Europa e fundou o Instituto Packter (instituto de pesquisa, ensino e clínica) em Porto Alegre. Filósofos do Brasil e do exterior buscaram especialização e integraram a equipe do Instituto Packter, que hoje possui colaboradores e parcerias em diferentes Instituições do Brasil e do exterior, como Portugal, Itália, EUA, Israel e outros.
Escrevo a seguir relatos baseados em falas do fundador da Filosofia Clínica, Lúcio Packter.
Filosofia Clínica é a Filosofia acadêmica utilizada em clínicas, escolas, hospitais e instituições humanas em geral. Basicamente ela é uma especialização do bacharel em filosofia formado nas universidades. Utiliza os ensinamentos das disciplinas de lógica, ética, epistemologia, analítica da linguagem, fenomenologia, entre outras disciplinas às questões que a pessoa traz ao consultório. O filósofo clínica trabalhará somente as questões existenciais trazidas.
3) Esta abordagem se diferencia no quê das abordagens psicoterapêuticas tradicionais (psicanálise, gestalterapia, terapias comportamentais, etc.)?
O diferencial inicia pela fundamentação teórica e pressupostos. Por exemplo: não existe fenômenos referentes à patologia. A Filosofia Clínica possui um conjunto de expressões e neologismos próprios. Outro diferencial são os métodos filosóficos que se mesclam de uma maneira muito singular. Desde a historicidade da pessoa e a maneira de ter contato com a sua estruturação de pensamento e o uso dos procedimentos clínicos. Tudo é feito de maneira diferente das terapêuticas que surgiram nos últimos 100 anos. Para quem chega e tem contato com a Filosofia Clínica pela primeira vez sem uma introdução aos pressupostos e a cada um dos itens que devem ser estudados ela pode causar estranheza aos mecanismos e critérios de ação.
4) Tecnicamente falando, como funciona um atendimento terapêutico nesta proposta clínica (frequência e duração dos encontros, descrição do setting terapêutico, etc.)?
O processo de atendimento terapêutico consiste, basicamente na elaboração da historicidade da pessoa que possui uma série de pressupostos que vão da lógica formal à analítica de linguagem. Depois o filosofo clínico pesquisará a disposições, colocações, maneiras de ser, as conformações, relações e os lugares das informações e dos fatos na história da pessoa. Assim o filosofo clinico saberá do que se trata a queixa inicial, o lugar desta queixa (depressão, enxaqueca, etc.) na estrutura de pensamento do partilhante (não paciente). Finalmente o filósofo clínico utiliza procedimentos clínicos retirados da própria história da pessoa.
Por exemplo. Uma enxaqueca. O filosofo clinico investigará na história da pessoa o que causou, como se desenvolveu e o que pode levar a tal manifestação. É partir desde estudo que o filosofo clínico poderá saber se a enxaqueca em si é o próprio remédio e não consideramos como doença. Por exemplo. A pessoa tem enxaqueca justamente quando vai receber visitas indesejadas ou precisa ir numa reunião desagradável e dispensável.
Sobre a frequência e duração pode variar caso a caso mas em geral uma vez por semana em encontros de 50 minutos. O cenário não estará restrito ao consultório. Podendo a terapia acontecer num passeio do filosofo clínico com o partilhante (denominação dada ao cliente) em um parque público por exemplo. Isto é conversado e definido em comum acordo.
5) Quais são os principais autores utilizados para estudo desta abordagem clínica?
Toda a História da Filosofia é considerada. Desde Sócrates, Platão e Aristóteles até Kant, Schopenhauer, os empiristas ingleses como Hume, Locke, Berkeley. Aproximasse em vários aspectos do empirismo lógico do Círculo de Viena. Traz elementos da fenomenologia de Edmund Husserl e do estruturalismo de Lévi-Strauss. Traz muitos elementos do pragmatismo norte americano e faz conversações com as filosofias de Henri Bergson, Emmael Levinas e Martin Buber, Gadamer, Thomas Kuhn e outros. Tais escolas e autores citados são apenas uma introdução ao assunto. A Filosofia Clínica não está limitada a uma escola filosófica ou a um autor. Tentar encerrá-la a uma escola iria contra a sua expressão de ser.
6) Que tipo de pessoa busca o serviço de vocês?
Quem procura examinar a existência a partir dos pressupostos da Filosofia. Na prática quem se queixa de dores médicas, psicológicas, espirituais e também quem deseja examinar a existência em sua amplidão.
7) Que tipo de problemas e conflitos a Filosofia Clínica pode contribuir para encontrar uma solução satisfatória?
A Filosofia Clínica não buscará como um pressuposto a solução, o bem estar, a harmonia, nem soluções hedonistas, não procurará a cura principalmente porque em seus pressupostos inexiste a patologia. Também inexistem preconcepções como liberar o fluxo de emoções, etapas de desenvolvimento. Diversas noções apriorísticas sobre sexualidade, homicídio, suicídio, etc. também inexistem.
Muitas concepções que a medicina tem por psicose muitas vezes para o filósofo clínico a melhor condição ou estruturação existencial de algumas pessoas de acordo com as circunstâncias que viveram até então. Muitas das questões não giram em torno de questões éticas ou religiosas mas sim em razões estéticas.
8) A Filosofia Clínica busca “a cura” do cliente? O que seria uma “cura” nesta abordagem?
A Filosofia Clínica não tentará a “cura” principalmente porque em seus pressupostos inexiste a patologia.
9) Quando podemos dizer que uma pessoa “recebe alta” neste tipo de atendimento?
Como não utilizamos o termos “cura”, “patologia” também não utilizamos o termo “receber alta”. O trabalho filosófico clínico varia de pessoa para pessoa mas em geral dura de 3 a 6 meses. O fim da clínica muitas vezes se dá em um consenso entre o filosofo clínico e o partilhante. Muitas vezes a questão ou queixa é atenuada ou resolvida e o partilhante se dá “alta” se for para falar nesses termos. Outras vezes, porém com menos frequência mesmo após a melhora subjetiva, ou resolução da questão específica reclamada inicialmente o partilhante deseja continuar com a proposta de lidar com questões existenciais em sua amplidão.
10) Seu espaço para algumas considerações finais e comentários adicionais.
Primeiro gostaria de agradecer a oportunidade de responder estas questões e também dizer que com certeza muitas destas respostas servirão apenas para provocar a curiosidade. Muito pouco do que é a Filosofia Clínica foi passado aqui o que exigiria a leitura de uma bibliografia mais extensa. O curso (parte teórica) da pós-graduação em filosofia dura no mínimo 18 meses de estudos e trabalhos intensos seguidos de pré-estágios e estágios supervisionados. Mas recomento a leitura de um livro de introdução a Filosofia Clínica escrito por Lucio Packter e que pode ser adquirido gratuitamente neste link: http://anfic.org/imagens/2012/10/Filosofia-Clinica-Propedeutica.pdf
Para saber mais sobre a Filosofia Clínica em Florianópolis: www.centrofic.org
Obrigado,
Pedro de Freitas Junior