Conversando sobre Educação: Introdução ao Tópico Epistemologia da Filosofia Clínica
A Educação não é um campo exclusivo de pedagogos e professores, não acontece somente dentro das paredes de escolas e instituições de ensino. Ela também está presente historicamente nas sociedades, nos ensinamentos que são passados de geração em geração, seja nos costumes culturais, na própria linguagem, ou até mesmo nas pequenas coisas que os pais ensinam aos filhos.
Quando um professor alfabetiza uma criança, quando uma mãe estabelece regras e horários a um filho adolescente, quando uma empresa ministra algum treinamento a seus funcionários, quando uma pessoa decide por ela mesma aprender um novo idioma ou habilidade, a Educação é um processo que está acontecendo. Não há alguém que tenha vivido e passado imune a algum tipo de educação.
A Educação compreende horizontes que vão além das questões ligadas ao ensino e aprendizagem, ou seja, à Epistemologia, ela pode envolver, Buscas, Pré-juízos, Termos Agendados no Intelecto, Emoções, Raciocínio, Abstrações (ou Sensorial), Paixões Dominantes, Interseções entre EPs (Estruturas de Pensamento), Dados de Semiose, e muitos outros mais[1]; estes são alguns exemplos de tópicos da Filosofia Clínica, comumente mais vistos nas práticas educativas dos quais trataremos neste artigo.
Vejamos o primeiro deles, Epistemologia diz respeito ao conhecimento, e nos remete a perguntar, como alguém aprende? Questionar como a aprendizagem acontece é um primeiro exercício na busca por respostas de como ensinar. Por mais inovadora que seja a metodologia de ensino, de nada adiantará se ela for contrária à maneira como a pessoa aprende: O fracasso de muitas práticas didáticas de ensino se dá por este motivo.
Por outro lado, para algumas pessoas as questões ligadas à Epistemologia não têm peso significativo em suas EPs, nem para todo mundo aprender, entender, se constitui um objetivo de vida. Isso pode causar frustração em alguns pais ou professores, quando estes se deparam com filhos ou alunos, que não possuem como Busca de vida as Epistemologias. Nem todos querem aprender/conhecer, mesmo assim, há casos de pessoas que não querem aprender e são forçadas a tal. Sobre isso, Rubem Alves, faz uma bem-humorada analogia, ele nos diz:
Há muita sabedoria pedagógica nos ditos populares. Como naquele que diz: “É fácil levar a égua até o meio do ribeirão. O difícil é convencê-la a beber água…” De fato: se a égua não estiver com sede, ela não beberá água por mais que seu dono a surre… Mas, se estiver com sede, ela, por vontade própria, tomará a iniciativa de ir até o ribeirão. Aplicado à educação: “É fácil obrigar o aluno ir à escola. O difícil é convencê-lo a aprender aquilo que ele não quer aprender…” (2013, p. 98).
Mas como esta é uma longa discussão ética, não vamos nos ater neste texto.
Prosseguimos ainda no âmbito das Buscas (T11), há por exemplo, uma pessoa cuja Busca é exercer determinada profissão, quer se tornar médico e, para alcançar esta Busca, necessitará estudar bastante, cursar uma faculdade específica que lhe ensine os conhecimentos da medicina e que lhe habilite a trabalhar como médico, então, esta pessoa do exemplo aprende (Epistemologia) movida pelo Tópico Busca (ser médico). A Busca é tópico de maior peso neste exemplo, caso a Busca para se efetuar necessite de Epistemologia, o combustível do aprendizado será a própria Busca. Mas é válido ressaltar que nem todas as Buscas se ligam à Epistemologia, há pessoas que até possuem Buscas que carecem de conhecimentos, mas não ligam ao tópico Epistemologia, como no exemplo, há casos de Buscas que se efetivam (ou não) por outros caminhos.
Assim também o Tópico 20 ou Submodo 28 – Epistemologia, pode(m) estar ligado(s) a outros, como por exemplo, ao Tópico Pré-juízos: uma verdade subjetiva apriorística que a pessoa acredita. Exemplo: “Filho de peixe peixinho é”, diz alguém que acredita que tem dificuldade para aprender porque seus pais também tiveram e não estudaram; aí o aluno fala para a professora sobre o seu Pré-juízo (a verdade na qual ele acredita) – “professora, eu não levo jeito pra aprender, na minha família ninguém nasceu pro estudo, nem meus pais, nem meus irmãos sabem ler e escrever, e eu sou igual a eles”. Tal Pré-juízo constitui um empecilho à Epistemologia desta pessoa do exemplo. Há casos em que a simples quebra[2] do Pré-juízo, abriria as portas para a Epistemologia, fazendo com que o aprendizado acontecesse.
Outro tópico, os Termos Agendados no Intelecto (T6), diz respeito àquilo que a pessoa guardou, agendou em sua EP, pode ser uma ideia, uma imagem, ou verbo mental. Há pessoas que agendam aprendizados, guardam conhecimento (Epistemologia) em suas EPs, já outras não fazem a Epistemologia morar dentro dos Termos Agendados no intelecto.
Para outros, as Emoções (T4) trabalham em conjunto com a Epistemologia: tem gente que aprende só quando está feliz, caso esteja triste não aprende. Outros, que aprendem na tristeza, para os quais o caminho da aprendizagem passa pela dor e sofrimento. Há outros, cuja Epistemologia (o conhecimento) é que é a fonte geradora de Emoções: a pessoa fica alegre por estar aprendendo algo. Os exemplos seriam muitos, pois as Emoções também são muitas, tristeza e alegria são duas gotinhas em um oceano de Emoções. O mesmo também vale para quem ensina, há professores cujas práticas pedagógicas oscilam de acordo com o manancial de Emoções que vivenciam.
E para aqueles cuja visão cartesiana divide-se em Emoções X Razão, a Educação estará constantemente duelando ou num campo, ou no outro. Entretanto, na Filosofia Clínica, nem sempre os Tópicos Raciocínio e Emoção serão antagônicos, há casos em que eles se complementam na EP, andam de mãos dadas.
O raciocínio, costuma ser entoado como o cântico dos cânticos pelas cátedras universitárias e pela Ciência mais dogmática. Nem todos aprendem (ou ensinam) via razão. Não há um fundamento que justifique dizer que o único caminho para a Epistemologia seja a Razão. Ele é um dos caminhos, há outros, como Intuição por exemplo. Qual explicação para pessoas cujo aprendizado se dá por intuição, gente que aprendeu a cozinhar, por exemplo, intuindo sobre as misturas de ingredientes, criando receitas intuitivamente e não raciocinando sobre teorias gastronômicas. Há aprendizados que só acontecem quando passam bem longe da razão.
O raciocínio (T10) não deve ser tomado como o único aparato para fins epistemológicos, além dele, há quem aprenda por sensações, pessoas que ligam a Epistemologia ao sensorial (T3), tem gente que aprende com o corpo, aprende tocando, sentindo cheiros, observando… fale para estas pessoas que elas precisam racionalizar ao invés de sentir, diga que a fonte do saber está na razão e não nas sensações e você terá matado toda a possibilidade de aprendizado.
É simples, basta respeitar as diferenças entre as pessoas: tem gente cuja Epistemologia é Sensorial, outros que são Razão pura, para ainda outros, as Abstrações possuem peso significativo na EP e se ligam com as Epistemologias. Didaticamente, pede-se cuidado para que não se tente educar um, usando o modelo de funcionamento do outro, isso provavelmente acarretará uma receita fadada ao fracasso educacional.
Falando em receita fracassada nas práticas pedagógicas, não há como deixar de falar do Tópico 12 – Paixões Dominantes[3], que diz respeito às frequências e repetições. Por exemplo, tem professor de matemática que acredita que se fizer os alunos repetirem o mesmo tipo de exercício milhares e milhares de vezes, eles aprenderão o cálculo, contudo, para alguns alunos, o caráter de repetição, não só enfraquece o aprendizado, como afasta ainda mais, tornando-se uma tarefa enfadonha e sem nenhum vínculo epistemológico. Nem todos aprendem por fazerem algo com frequência. Há pessoas que aprendem uma tarefa quando ela é nova, depois que aprendem, se são obrigadas a ficar repetindo-a, sentem-se exaustas, se desinteressam e vão desaprendendo-a: é no mínimo curioso, a repetição pode gerar “desaprendizagem”, (em casos raros). Claro que para outros – que não são poucos – a frequência com que repetem determinada atividade vai causando maior facilidade para realizá-la, não há como negar, que as Paixões Dominantes podem ser as responsáveis por desenvolver conhecimentos em pessoas que aprendem fazendo algo frequentemente.
Há também quem aprenda com os erros, que depois de errar algumas vezes, descobre como não fazer mais assim, mas nem todos constroem Epistemologias sob os fundamentos dos “erros”, podemos citar como exemplo pessoas que cometem certos erros nos relacionamentos e mesmo que mudem as pessoas em novas relações continuam cometendo os mesmos tais erros[4].
As relações humanas, na Filosofia Clínica são estudadas no Tópico 28 que diz respeito às Interseções entre EPs. Algumas pessoas poderão ter relacionado a Epistemologia aos vínculos que possuem com outros. Há pais, por exemplo, que só conseguem educar os filhos quando a interseção entre eles for positiva, caso a interseção esteja negativa o aprendizado (e o ensino) não acontecerá. Há quem aprenda com as relações, mas nem todos aprendem uns com os outros, sendo assim, não podemos utilizar nas escolas somente teorias da Educação de cunho interacionista, esquecendo-nos, daqueles que aprendem sozinhos, aqueles cuja Epistemologia é um exercício de introspecção (Tópico 14 Espacialidade – Inversão, em Filosofia Clínica).
E por fim, trataremos agora dos Dados de Semiose (T 15) que diz respeito aos meios utilizados pela pessoa para que o conteúdo que está nela vá em direção ao outro, ou seja, o que a pessoa usa para se expressar. Como exemplo, podemos citar a escrita, a fala, a pintura, o desenho, a música, a dança, a fotografia… Na educação, existem problemas que são considerados de aprendizagem, quando na verdade, são problemas de Semiose: um estudante que obteve conhecimento em certa disciplina, mas foi cobrado a comprovar que aprendeu através de um texto escrito, porém ele não possui tal dado de semiose (escrever), não há como ele trazer Epistemologia para fora via escrita, pois ele utiliza com maior fluência para se expressar o dado oral; neste caso, a avaliação indicada seria a de permitir que o aluno falasse sobre a assunto, pois nesse exemplo, sua aprendizagem acontece falando e não escrevendo.
Há quem aprenda ouvindo, há que aprenda fazendo roteiros, há quem precise ir fazendo desenhos, gráficos, marcações, há quem aprenda lendo. Mas se você que leu este texto até aqui, não tem a leitura como um Dado de Semiose ligado à sua Epistemologia, sinto lhe informar, mas talvez, tenha perdido o seu tempo.
Resta então uma dica valiosa, nesse caso, descubra como você aprende e apreenda isso toda vez que surgir uma necessidade de conhecimento. Descobrir quais Tópicos (ou Submodos) podem ser parceiros do Tópico Epistemologia em nós mesmos, nossos alunos ou filhos é o primeiro passo de uma caminhada chamada Educação.
Referência
ALVES, Rubem. Ao professor, com o meu carinho. 2. Ed. Rio de Janeiro: Pegue & Leve, 2013.
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[1] Termos técnicos utilizados em Filosofia Clínica que são estudados durante o curso de Pós-graduação. Constituem-se em 30 Tópicos e 32 Submodos da Estrutura de Pensamento (EP), que se associam e se derivam ao infinito.
[2] Com os devidos cuidados da Historicidade, se fosse uma indicação clínica possível, pois nem sempre a quebra de um Pré-juízo (T5) é indicada, às vezes, há outros fatores impeditivos.
[3] Tema do nosso artigo do mês passado tratando dos vícios.
[4] Em Filosofia, cabe questionar o que é um erro, antes tudo. Erro de acordo com quais critérios? O que leva a grande questão a ser discutida sobre o que é certo ou errado, afinal?