Minha iniciação à Filosofia Clínica pela perspectiva do meu próprio funcionamento:
Quem fala; fala de um lugar social.
Ao receber o convite para escrever para este site, fiquei pensando sobre qual temática eu poderia abordar. Pensei em escrever um texto bem organizado e sistematizado de acordo com a metodologia científica, mas me parece que esse seria apenas mais um no meio de tantos milhares que adubam as páginas da internet. Pensei: quem sabe eu possa escrever sobre algo que aconteceu comigo, assim, eu estaria dando uma prova do gole a mais como dizia Lúcia Helena Galvão em suas palestras. Enriquecer esses conceitos abstratos que nos cercam com vivências, com as nossas próprias experimentações disso… quem sabe, seja o diferencial que vá fazer valer a pena, para você leitor, dedicar alguns minutos do seu tempo.
No início, fui muito relutante em aceitar a metodologia da Filosofia Clínica como algo que realmente fizesse a diferença no olhar para o humano. Parecia-me apenas mais uma abordagem em meio a tantas outras, bastante fundamentalistas, que partiam de uma visão unilateral, engessada, e, por muitas vezes, de conceitos prontos contra os quais as pessoas não tinham nem chance. Ao iniciar os estudos com o professor Bruno, que é um querido, fiquei numa posição que no senso comum denominamos de “com o pé atrás”. Não aceitava tudo que ele dizia, não. Na verdade, meu movimento inicial era de rejeição de tudo isso. Entendo que estou falando de mim. E, alguns podem pensar: nossa! Como ele está se expondo e mostrando seus próprios tópicos determinantes, em seu texto, e seu funcionamento “assim, assim, assado.” E eu respondo: e tem como ser diferente? Quando eu escrevo, tem um eu que caracteriza a minha escrita. Simples. É muito válido o pensamento de que não há um sentimento tão precioso que outro humano nunca tenha sentido, não há um sofrimento tão exclusivo que ninguém nunca tenha sofrido. E quando a gente divide; isso se torna mais leve. Então, gosto de compartilhar. Claro que isso é um pré-juízo meu.
Retornando aos estudos. Com o passar do tempo, vi que algumas coisas eu realmente não concordava. E em conversa bem sincera com o professor pude compreender que, sim, havia espaço para a minha discordância no curso. Alguns encaminhamentos exemplificados já haviam funcionado em minha vida de maneira semelhante. Percebi que outros tantos, que eu identificava ter a ver com a minha Estrutura de Pensamento, funcionavam quando eu tentava aplicá-los. Então, cheguei a conclusão de que talvez fosse esse o caminho. Tentei observar, como a Filosofia Clínica poderia contribuir com a minha rotina a partir de uma elevação autogênica, como ele mesmo me ensinou. E para tanto, somei o que a Tainara de Oliveira, que eu admiro, e ela nem sabe disso (vai saber agora), disse: quem sabe, essa elevação, possa partir de um olhar para as vizinhanças que nos acompanham e, então, as mudanças possam ocorrer em nossas vidas. Pensei poder encontrar o que ela encontrou com seus vasinhos de flores que se somaram ao violino da vizinha e juntos compuseram um recanto aconchegante em meio a uma selva de cinza.
Pensei: como vou viver isso? Bem… quem sabe, partindo do que eu já faço. Achei uma boa ideia! Lembrei que quando estou ansioso antes de dormir, tomo um chá de camomila ou erva doce e a mágica acontece. Usei isso. Lembrei também que um banho morno-quente, um pouco mais demorado que o habitual, pode baixar um pouco a minha pressão, que é alta. Que não ligar a TV faz com que meu sono chegue mais cedo. Que ouvir uma música para relaxar faz com que meu corpo fique levinho, levinho. Assim, resolvi meu problema de insônia e claro que isso só vale para mim. Assim, eu pude me elevar um pouquinho e vi que deixei alguns vizinhos para trás, os programinhas de televisão que passam à noite.
Então, fez sentido para mim; – a Filosofia Clínica funciona mesmo. E o melhor: ninguém estava me mandando resolver um Complexo ou lidar com uma Síndrome. Bastou olhar para o meu próprio funcionamento para entender o que era producente para mim. Nenhum conceito pronto tentava me enquadrar; era eu por mim mesmo / eu pelo meu próprio ponto de vista. Como o Lúcio escreveu no livro dele, Filosofia Clínica: propedêutica, Protágoras, lá na antiguidade já dizia: o homem é a medida de todas as coisas, daquilo que são enquanto são, e daquilo que não são enquanto não são.
Incorporei a Filosofia Clínica como ferramenta para o meu arsenal. Pensei: vou testar ela, quero ver até onde vai funcionar. Kurt Lewin falava sobre a teoria do campo e, era muito comum eu me ver influenciado pela ansiedade das outras pessoas que estavam ao meu redor, ou me sentir muito incomodado com falas ríspidas e ou arrogantes que apareciam no campo. Pensei: como não me deixar afetar pelos “vizinhos” que eu não posso escolher? O curioso é que, é só você querer e a oportunidade aparece (Pré-Juízo). Surgiu a chance para testar isso também. Ouvia a fala de uma pessoa, que por questões éticas obviamente não vou identificar, a qual dizia que as pessoas deveriam fazer isso, porque isso era o certo para a idade delas; que depois elas vão se arrepender de não terem feito, e que: pensem o quanto será bom para vocês se o fizerem… daí em diante para meus ouvidos era um: blá, blá, blá, bláblá, blá, bláblá. Pensei, e apenas pensei: nossa colega, meus parabéns! Mas, isso é assim para você. Isso tem a ver com a sua história, não com a minha. E, então, me tranquilizei. Isso que estava no campo não estava mais me perturbando o espírito. Estava levinho, levinho de novo.
Enfim… tem falhas? Tem falhas. A própria ideia de partir de uma historicidade é um engessamento a ser pensado. Para algumas pessoas, contar a própria história pode ser motivo para um rompimento com a clínica. “Eu já vivi isso uma vez. Não quero reviver isso de novo. [Sic]”. A interseção do terapeuta com o partilhante é algo bastante duvidoso de ser visto seguindo um rigor metodológico. Vejo a neutralidade como uma utopia, portanto, inalcançável. Claro que cuidados devem ser tomados, mas os pontos cegos ainda são limitações do terapeuta que a metodologia não dá conta de cobrir. Mas, eu penso que também há alguns acertos muito felizes. Alguns eu vivi, outros estou vivendo e gostaria de viver muitos outros. E, então é isso gente, como diria a Silvetty: fecha na joia.
—-
Fonte da Imagem: Publicado em 18 de julho de 2013 no tamanho 940 × 360 em EUREKA! por Elza Tamas. Disponível em: <https://forademim.com.br/2013/07/eureka-por-elza-tamas/formiga-e-bolha-de-aguar-2/>. Acesso em: 26 abr. 2018.