Intencionalidade – John Searle
INTENCIONALIDADE, Intencionality,
An Essay in the Philosophy of Mind, 1983.
John Roger Searle, nascido em 1932.
Searle pretende apresentar nessa obra um “fundamento” para Os atos de fala e Expressão e significado, elaborando uma “teoria da Intencionalidade”. O termo, que ele foi buscar na escolástica, onde designava a propriedade que tem o pensamento de ser sempre pensamento de um objeto diferente de si mesmo, e reatualizado por Brentano e pela fenomenologia de Husserl, é redefinido por Searle, que o desvincula do sentido corrente de “intenção” através do uso da maiúscula. De fato, o termo intenção não tem o sentido que lhe seria dado por uma filosofia que colocasse o sujeito na origem de seus conteúdos de consciência; Searle está distante de qualquer tese subjetivista ou personalista. Por “Intencionalidade”, ele tem em vista “a capacidade biológica fundamental do espírito de pôr o organismo em relação com o mundo”. Ora, essa propriedade é comum aos estados mentais e aos atos de linguagem. O problema do sentido deve, pois, ser formulado a partir da comparação destes – partindo dos esclarecimentos oferecidos pelas obras precedentes e referentes à noção de “sentido de um enunciado”.
No caso dos estados mentais, a questão do sentido, segundo o autor, não tem razão de ser: na verdade, a Intencionalidade de um desejo e de uma crença é intrínseca; sua capacidade representativa lhe pertence. “Tem-se” um desejo, uma crença. É bem diferente o caso de um ato de linguagem: uma frase – sons que saem de uma boca ou são marcados no papel – é um objeto do mundo físico como outro; sua capacidade a representar alguma coisa não lhe é intrínseca, ela não é intrinsecamente Intencional. Sua Intencionalidade deriva da Intencionalidade da mente (mind): uma frase é utilizada para afirmar ou questionar, ao passo que ninguém utiliza um desejo ou uma crença (mas os tem). Uma única semelhança entre estados mentais e objetos sintáticos: são chamados de “verdadeiros”, “felizes”, “apropriados”, se – e somente se – forem preenchidas as condições de satisfação já determinadas pelo conteúdo Intencional. O problema do sentido consiste em se perguntar “como os seres humanos impõem Intencionalidade a entidades que não são intrinsecamente Intencionais, como tornam objetos puros e simples aptos a representar”. Se a Intencionalidade do estado mental é intrínseca, enquanto a da enunciação é derivada, quais são as condições de possibilidade dessa derivação? A hipótese fundamental de Searle é que a filosofia da linguagem é um ramo da filosofia da mente. “A capacidade que têm os atos de linguagem de representar objetos e estados de coisas do mundo é uma extensão das capacidades biologicamente mais fundamentais que tem a mente (ou o cérebro) de pôr o organismo em relação com o mundo por meio de estados mentais tais como a crença ou o desejo, e em particular através da ação e da percepção.” Por isso, se quisermos dar uma explicação completa da fala e da linguagem, será preciso esclarecer a maneira como a mente-cérebro põe o organismo em relação com a realidade.
O autor analisa aqui a Intencionalidade dos estados mentais (cap. 1), a Intencionalidade da percepção (cap. 2), a Intencionalidade da ação (cap. 3), a causalidade Intencional, necessária para compreender percepção e ação (cap. 4). O capítulo 5 afirma que a Intencionalidade, em todas as suas formas, só funciona sobre um pano de fundo (back-ground) de capacidades mentais não representativas. O capítulo 6 trata do objetivo inicial: explicar as relações entre formas mentais e formas lingüísticas da Intencionalidade. O capítulo 7 trata das relações entre Intencionalidade (propriedade dos estados mentais) e a intensionalidade (intensionality, ou propriedade das frases): distinção importante para que não mais se confundam as propriedades ontológicas dos objetos Intencionais com as propriedades lógicas dos termos intensionais. Os capítulos 8 e 9 criticam certas correntes dominantes no que se refere a sentido e referência. O capítulo 10 propõe uma “dissolução” do “pretenso problema `mente-corpo’ ou `mente-cérebro”‘. Não se trata de negar a realidade dos fenômenos mentais, porém de apreciar corretamente a natureza biológica e a especificidade “mental”. A obra termina com um utilíssimo léxico.
Essa filosofia da mente e da linguagem fala em nome de um ponto de vista “naturalista” sobre os fenômenos Intencionais. Searle pretende distinguir-se também das formas de dualismo de origem cartesiana e de antimentalismo contemporâneo, oposto ao dualismo. Para ele, os fenômenos mentais têm bases biológicas: são causados pelos mecanismos cerebrais e realizados na estrutura do cérebro. Consciência e Intencionalidade pertencem à biologia humana tanto quanto a digestão ou a circulação. “É um fato objetivo do mundo a existência de certos sistemas – os cérebros – que são munidos de estados mentais subjetivos, e é físico o fato de sistemas semelhantes possuírem traços mentais”. Esse naturalismo afasta Searle de seus precedentes fenomenológicos tanto quanto de Frege, sua primeira fonte.
Edição brasileira: Intencionalidade, São Paulo, Martins Fontes, 1995.
Estudo: F. Recanati, Les enoncés performatifs, Éd. de Minuit, 1983.