É possível compreender a Compreensão? (Uma abordagem via Autogenias)
RESUMO
Este artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre como é a compreensão das pessoas em diferentes níveis autogênicos verticais. Vamos tratar sobre compreensão, entendimento, não no sentido estritamente epistemológico relacionado às formas de aprendizagem, mas no sentido autogênico. Antes de tudo, gostaria de justificar que estou ciente das limitações deste artigo, por se tratar de um tema relativamente novo no âmbito da Filosofia Clínica e, por quase não haver bibliografias específicas que possam servir como fonte de aprofundamento à pesquisa, bem como de fundamentação teórica. O que temos é somente conteúdo apresentado em aulas, workshops e Semanas de Estudos pelo professor Lúcio Packter. Não sendo assim possível traçar considerações que sejam tomadas como verdadeiras e absolutas, pelo contrário são apenas minhas elucubrações que, pacientemente, aceitam questionamentos e almejam por pesquisas futuras sobre essa temática. Lembrando que este artigo é destinado aos estudantes de Filosofia Clínica que já possuem alguma caminhada na área, que estão familiarizados com a linguagem técnica da Filosofia Clínica, como requisito mínimo. Aos que estão iniciando na Filosofia Clínica, talvez, possa parecer um pouco confusa este tipo de abordagem, mas é um processo natural que pede por paciência e estudos. A compreensão é um tema bastante subjetivo, por isso ainda haverá muito para se falar sobre ela, e este foi apenas um começo. Tratar das subjetividades que envolvem a alma humana é uma tarefa minuciosa, artesanal; embora difícil, apaixonante, em minha opinião.
INTRODUÇÃO
Vamos iniciar tomando como uma premissa de que cada pessoa compreende o mundo e a vida, à sua maneira, conforme sua Representação de Mundo particular. Ou seja, “ o mundo é representação minha”, como traz Schopenhauer (2001, p. 9):
Esta proposição é uma verdade para todo o ser vivo pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstrato e refletido. (…) Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra, mas apenas os olhos que veem este sol, mãos que tocam esta terra; em uma palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem. (SCHOPENHAUER, 2001, p. 9).
Com isso, podemos dizer que a compreensão que se faz sobre os acontecimentos da vida, por exemplo, a princípio não possam fugir ou ir além da representação de mundo. Mas há então, várias representações de mundo – cada um com a sua – logo, há também inúmeras formas de se compreender o mundo. E esta, apresentada neste artigo, é só mais uma, pois parte daquilo que habita o que eu represento do mundo.
Vamos tratar sobre compreensão, entendimento, não no sentido estritamente epistemológico relacionado às formas de aprendizagem, mas no sentido autogênico. A compreensão que acontece autogenicamente não é somente algo tópico, isolado; é, no entanto, o entendimento que todos os tópicos juntos, em conversação são capazes de ter.
Supõe-se que essa compreensão autogênica possa ser muito diferente do que seria uma compreensão tópica, por exemplo, um ou dois tópicos provavelmente isolados de determinada E.P.[1] compreendendo um problema qualquer que a pessoa esteja passando, por outro lado, o entendimento que surge quando da autogenia, irá mais além, podendo chegar a um ponto em que se torna difícil expressá-lo. Os dados de semiose podem se mostrar pobres, as traduções falhas, a própria linguagem, limitada. É por isso que haverá algumas dificuldades para tratar sobre a temática neste artigo.
Todavia, vamos fazer um breve exercício imagético, pensando em duas pessoas (que podem ser reais ou inventadas), uma das pessoas possui aquilo que consideramos a mais elevada[2] autogenia vertical, a outra pessoa, ao contrário, tem uma autogenia vertical apontando para baixo que está o mais densa[3] que podemos imaginar. Agora, vamos lançar um “mesmo” problema qualquer na vida dessas duas pessoas hipotéticas, pode ser uma doença grave, um desemprego ou qualquer outra coisa que seja por elas considerado um problema. Então, como intuímos que será a compreensão de cada uma dessas pessoas sobre o problema?
Provavelmente a compreensão de ambas será tão diversa que até o problema não parecerá mais ser o mesmo, talvez o entendimento que elas terão transformará o problema em um isto e em um aquilo e, já não se tratará mais da mesma coisa. Mas o que haverá de diferente? Como é uma compreensão mais etérea e uma mais densa em se tratando de níveis dentro das Autogenias Verticais.
No decorrer do texto vamos conceituar um pouco melhor do que se tratam as densidades e níveis autogênicos, em relação à Compreensão.
OBJETIVO
Este artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre como é a compreensão das pessoas em diferentes níveis autogênicos verticais.
JUSTIFICATIVA
Antes de tudo, gostaria de justificar que estou ciente das limitações deste artigo, por se tratar de um tema relativamente novo no âmbito da Filosofia Clínica e, por quase não haver bibliografias específicas que possam servir como fonte de aprofundamento à pesquisa, bem como de fundamentação teórica. O que temos é somente conteúdo apresentado em aulas, workshops e Semanas de Estudos pelo professor Lúcio Packter.
Tais conteúdos por ele apresentados, talvez não serão aqui repassados fidedignamente, pois não estou certa se a tradução da minha compreensão se fará possível integralmente pelo dado de semiose escrito. Primeiro porque existem compreensões que são feitas pela alma humana e que só conseguem expressar fragmentos através dos Dados de Semiose. Segundo, por se tratar do meu entendimento particular sobre os conteúdos das Autogenias em Filosofia Clínica trazidos pelo professor Lúcio Packter e nisso estão implícitas as minhas limitações de compreensão que alcançam somente até onde a minha Estrutura de Pensamento permite.
Não sendo assim possível traçar considerações que sejam tomadas como verdadeiras e absolutas, pelo contrário são apenas minhas elucubrações que, pacientemente, aceitam questionamentos e almejam por pesquisas futuras sobre essa temática.
Lembrando que este artigo é destinado aos estudantes de Filosofia Clínica que já possuem alguma caminhada na área, que estão familiarizados com a linguagem técnica da Filosofia Clínica, como requisito mínimo. Aos que estão iniciando na Filosofia Clínica, talvez, possa parecer um pouco confusa este tipo de abordagem, mas é um processo natural que pede por paciência e estudos.
DESENVOLVIMENTO
A compreensão engloba desde o entendimento acerca de coisas consideradas pequenas ou simples e vai até as maiores e complexas. Não trataremos aqui sobre a compreensão no campo pedagógico, relacionado ao entendimento enquanto aprendizagem, porém trataremos da compreensão que se relaciona com o sentido existencial.
Por falar em existência, pensemos em nossa própria vida, para começar. Como a compreendemos? Como é a compreensão que temos acerca de nós mesmos e daquilo que nos relacionamos? O que entendemos por compreensão, afinal?
Vamos a um exemplo reflexivo, algo bastante conhecido por nós ocidentais, que é a história da vida de Cristo. Não tenho conhecimento teológico, mas pelo pouco que sei, segundo ‘minha compreensão’, ele foi um homem bastante diferente para os homens de sua época – e dos de hoje também – que tentou passar ensinamentos no campo da espiritualidade. Um dos métodos utilizados por Cristo para levar sua mensagem, foram as parábolas, cujas quais constam como registros históricos na Bíblia Cristã (Novo Testamento).
Será que é possível mensurarmos a compreensão sobre a vida tida por Jesus Cristo naquela época? Será que existia a capacidade de compreensão por parte dos homens da época para as lições que Cristo desejava ensinar? Ainda hoje, as compreensões sobre o legado de Cristo são múltiplas para aqueles que conhecem essa história.
As parábolas podem ser relacionadas ao tópico 22 – Vice-Conceito da Filosofia Clínica, que se utiliza de analogias para dizer algo. De acordo com o Caderno de Submodos da Filosofia Clínica, o submodo Vice-conceito é utilizado para “substituir, dizer de outro modo o indizível” (p. 19).
Como se faz para dizer o indizível? Os vice-conceitos são um caminho, mas não o único, pois se na E.P. da pessoa este Submodo não tiver nenhuma relevância, coisas como parábolas ou metáforas não farão sentido algum.
Vejamos um exemplo de vice-conceito através de parábolas cristãs, que objetivaram dizer coisas, talvez indizíveis, no âmbito da espiritualidade. Segundo o filósofo catarinense, Huberto Rohden (2013, p. 18), “toda parábola consta de dois elementos: o símbolo material e o simbolizado espiritual”, tanto as parábolas contadas pelos mestres da cultura oriental, quanto as famosas parábolas bíblicas de Jesus Cristo, eram um instrumento didático usado pelos Mestres para passar lições espirituais. Vejamos o que este autor nos traz sobre as parábolas e depois traçaremos um paralelo entre a citação com os conceitos presentes na Filosofia Clínica:
O símbolo material, tirado da natureza ou da sociedade humana, é compreensível a todos, mas a compreensão do simbolizado espiritual depende do estado de evolução de cada um. Quem tem 10 graus de evolução espiritual interpreta a parábola como sendo 10; quem tem 50 graus compreende-a no nível 50; quem tem 100 graus de evolução compreende a parábola no grau 100. Devido a essa ilimitada elasticidade do simbolizado espiritual da parábola, esse modo de ensinar se presta para toda e qualquer classe de homens. Por outro lado, porém, não é possível dar uma explicação definitiva e universalmente válida das parábolas; a sua relatividade admite inúmeras interpretações, proporcionais ao estado de evolução espiritual de cada ouvinte ou leitor” (ROHDEN, 2013, p. 18, grifos nossos).
O primeiro ponto que grifamos nesta citação que diverge dos conceitos da Filosofia Clínica, é a palavra evolução. Na Filosofia Clínica, torna-se complicado usar tal nomenclatura, pois passa a ideia de que há uma escala evolutiva vertical, quase que hierárquica, como se houvesse quem está embaixo – pouco evoluído e quem está no alto – mais evoluído. Quando na verdade, o que existe são as maneiras de ser de cada um, não é melhor nem pior, nem há julgamentos em forma de ranking, pois não se trata de estatísticas e gráficos, trata-se de pessoas.
Portanto, não há como fazer esse tipo de mensuração, porque nos levaria a criar regras prontas para classificar “graus de evolução” das pessoas. Mas tais pressupostos seriam definidos pelos critérios de quem? Quais seriam esses critérios de julgamento de evolução? Certamente, estariam ligados ao que cada um entende por evolução, ou seja, algo bastante relativo, que provavelmente, nos levaria a uma eterna discussão filosófica sobre o que é, de fato, evolução.
Por outro lado, concordo com o que o autor escreveu sobre cada pessoa ter uma compreensão diferente, de acordo com o que cada um é no mundo. No entanto, não consigo encontrar uma palavra que substitua melhor o que o autor usou como ‘evolução’ e que não tenha um sentido tão hierárquico. Até porque será que o que o autor entende por evolução é a mesma coisa que eu ou você entendemos? Certamente, as compreensões divergem e isso traz como primazia ética que os julgamentos de melhor ou pior, mais ou menos evoluídos, sejam por nós – estudantes da Filosofia Clínica – evitados e respeitados quando da sua ocorrência em nossas interseções.
Voltando à citação acima, o segundo grifo que fiz, trata das universalizações. Rohden nos diz, que as parábolas, por serem plásticas, são capazes de ensinar “toda e qualquer classe de homens”. Vale dizer, que universalizações como esta nem sempre funcionam para todo mundo. Se, conforme os ensinamentos da Filosofia Clínica, as pessoas são diferentes segundo cada Estrutura de Pensamento se formou e se modifica ao longo da historicidade exclusiva de cada pessoa, é válido corrigir que as parábolas, podem servir para ensinar lições espirituais para alguns, mas não todos os homens.
Há E.P.s nas quais o submodo Vice-conceito não tem peso subjetivo, fazendo com que esse tipo de didatismo envolvendo parábolas, metáforas e outras figuras de linguagem não tenham o menor sentido à sua malha intelectiva. A compreensão de lições espirituais ocorrerá por outros tópicos determinantes e de outras formas que não usem parábolas ou quaisquer metáforas.
Além do vice-conceito, podemos citar a poesia, as artes plásticas, a música e outros, como elementos que também podem levar a determinadas compreensões para algumas E.P.s, que só são possíveis quando da sua criação/ inspiração ou inclusive na fruição/ apreciação. Embora estes, talvez possam ser considerados como Dados de Semiose, não quer dizer que quaisquer Dados de Semiose estejam relacionados a compreensões do mundo espiritual, por exemplo. Vale esclarecer, que em alguns casos, isso pode acontecer, mas parece ser algo mais raro.
Acredito que seja mais raro, porque em nossa época, costuma-se relacionar a compreensão pelo viés da razão, geralmente atrelando raciocínio e epistemologia. Será que este é o único caminho que leva à compreensão? Contudo, penso que existem entendimentos que vão além de Tópicos e Submodos mais mecânicos.
Quanto mais etéreas forem as compreensões, menos mecânicos serão os tópicos envolvidos. A autogenia, como um todo, quando é mais fluída, ascende em verticalidades nas quais habitam compreensões e entendimentos que só são possíveis neste patamar. Ou seja, em níveis mais baixos de autogenia vertical, a mecanicidade ou densidade não permitem que tal compreensão ocorra. Com isso, pressupõe-se que a compreensão que se dá sob um viés autogênico diverge conforme o patamar em que se encontra, se é mais fluído, ou mais denso.
Talvez, ainda não tenha ficado claro sobre que tipo de Compreensão falo quando uso este termo. Para esclarecer, essa compreensão está relacionada ao entendimento que a pessoa faz dos acontecimentos, da vida, do mundo, de si; é mais existencial, não é uma compreensão puramente intelectual, porque pode inclusive ser uma compreensão que independa de aprendizagens e conhecimentos historicamente acumulados, é mais uma epistemologia ligada a um tipo de sabedoria difícil de se explicar sob o crivo da razão.
Precisamos também tratar aqui de outra equivocidade comum em Matemática Simbólica, a ideia de que uma pessoa que detenha muito conhecimento (epistemologia) ou muitas vivências, ou um grande gênio das artes ou da matemática como Leonardo da Vinci, seriam seres com autogenias mais elevadas. Devemos lembrar que uma elevação autogênica diz respeito a tornar a Estrutura de Pensamento como um todo menos mecânico, mais conceitual, e isso se dá através da lapidação dos tópicos, através de uma caminhada existencial, como visto anteriormente. Ter grandes conhecimentos sobre um assunto, ser muito bom em algo como pintura ou matemática, não torna uma Estrutura do Pensamento mais etérea, pois normalmente essas questões dizem respeito a apenas um ou dois tópicos e não da EP como um todo. Assim também existem pessoas com pouquíssimo conhecimento epistemológico, pessoas até mesmo analfabetas, mas cujas EP encontram-se em níveis autogênicos um pouco mais elevados do que a grande maioria das pessoas da nossa época (PACKTER, 2013, p. 73).
Desmistificar que a compreensão via autogenia por verticalidades pode ou não estar relacionada com epistemologia pode ser algo arrebatador para nossa época. Na qual o conhecimento intelectual, a razão, o cientificismo e o intelectualismo costumam ser venerados. Estranhamente, o academicismo admitiria que alguém com menos estudos teóricos, ou até mesmo sem estudo algum, possa ter uma compreensão mais profunda acerca da vida do que consta em pesquisas científicas. Por outro lado, isso não é nenhum demérito, mas são apenas formas de ser distintas que não costuma ser mencionadas por aí. Para o filósofo Lúcio Packter, (2013, p. 73),
Também é importante frisar que quando se fala em uma maior caminhada existencial, não se quer de forma alguma direcionar a Filosofia Clínica para uma ideia evolucionista na qual todos nós devemos lapidar as nossas EPs e seguir para níveis autogênicos superiores. É preciso entender que alguns seres realizam as caminhadas seguindo outros vetores existenciais, muitas vezes indo em direção as bases da sua EP, caindo autogenicamente, pois este é o seu caminho, estão indo rumo à localização existencial que mais têm a ver com eles.
Não existe a pretensão de buscar que todos alcancem compreender a existência em profundidade e complexidade, muitos nem suportariam esta tarefa. O que nos cabe, é somente dissertar sobre a existência de diferentes formas de se compreender as circunstâncias da vida. O que pode trazer reflexões e inspirar – quem estiver voltado a isso – a aprimorar suas interseções com quem compreende diferente de nós, por exemplo. O exercício, de Recíproca de Inversão, como bem sabemos – também não é para todos – mas para alguns pode ser um meio de entender como o outro compreende e, partindo disso, ampliar nosso entendimento – se for o caso. Tudo sempre deve estar de acordo com as particularidades de cada Estrutura de Pensamento. Packter (2013, p. 82) nos dá um exemplo,
Estruturas de Pensamento que são de um patamar autogênico mais mecânico, mais denso, onde as coisas funcionam desse jeito. Quando você fala em compreensão, em perdão, essa pessoa vai lhe responder coisas como: “você é louco é? O senhor é doido? Eu queria ver se o senhor passasse o que eu passei. Os problemas a gente resolve é a base da força, não adianta nada conversar. Quem vence é quem tem a arma e sabe usar”. Agora, aquelas pessoas que dizem “eu perdoo” mas não perdoam realmente, aqueles que dizem “eu compreendo” mas não compreendem, são pessoas cujo papel existencial perante o mundo é mais forte, pois aprenderam a ser assim socialmente, e cujos conceitos são meramente linguísticos, essas pessoas estão na mesma condição que aquelas do exemplo anterior, apenas com um certo “verniz”, estão mascaradas existencialmente.
Na tradicional Semana de Estudos em Filosofia Clínica ocorrida em julho de 2015, o professor Packter trouxe filmes a fim de ilustrar como as máscaras existenciais usadas por algumas pessoas, têm um preço caro a ser pago. Se elas soubessem disso, não as usariam, mas acontece que, infelizmente, muitas não sabem. Porém, esta foi a minha compreensão sobre o que professor Lúcio explanou, provavelmente, houve tantas compreensões divergentes, tanto quanto era o número dos presentes no evento.
Provavelmente, as pessoas que estão dentro de um determinado patamar autogênico e que são vizinhas entre si neste patamar, podem ter mais ou menos a mesma compreensão sobre determinado fenômeno, fato ou conceito. O entendimento pode ser semelhante por aproximação no mesmo nível autogênico, embora possa divergir em níveis com outras densidades. Ou seja, em pessoas que estão em patamares diferentes a compreensão não terá aproximação ou nem mesmo acontecerá, provavelmente. Não esquecendo que até entre indivíduos de mais ou menos um mesmo patamar autogênico, a compreensão embora pareça ser a mesma, ainda assim, poderá ser um pouco diferente em cada pessoa, pois como disse Schopenhauer, cada um tem a sua própria representação de mundo, por isso os elementos são acolhidos e compreendidos em uma malha intelectiva que é única.
Compreender lições por filmes, por parábolas, pelo o que quer que seja, provavelmente será diferente para cada um. O mesmo filme ou parábola, encontrará em cada E.P. elementos díspares, que dessa junção se tornarão uma terceira coisa, uma compreensão nova, exclusiva a cada um – mesmo se for adquirida (copiada) da compreensão de uma outra pessoa, via Tópico 1, ou por Termos Agendados no Intelecto e por aí afora…
Um desenho animado qualquer, quando assistido por uma criança de poucos anos de idade que ainda não aprendeu a falar direito, terá um tipo de compreensão pertinente à criança. No entanto, o mesmo desenho, quando visto por um sábio professor universitário, poderá se converter em um elemento didático para ensinar ética, por exemplo, aos seus alunos da faculdade.
Isso pode sugerir que muitos são os meios que a autogenia de cada um encontra para fazer compreender aquilo que estiver ao alcance e de acordo com a própria E.P. Não queremos aqui, dar a impressão de estar exaltando as Autogenias Verticais em detrimento das Horizontais. Ambas têm seu espaço, fazem parte da vida, são apenas diferentes.
Habitar em um patamar autogênico mais elevado não significa de forma alguma ser melhor, assim como habitar um patamar mais baixo também não significa ser pior, significa apenas que um indivíduo caminhou mais no que tange aos níveis verticais do que o outro, assim como um indivíduo pode ter caminhado mais no que diz respeito às estradas horizontais, e temos vários exemplos assim na história. Um grande exemplo disto é Leonardo da Vinci, considerado um dos maiores gênios da humanidade e que se encontrava verticalmente em um nível autogênico semelhante ao nosso, um ser mecânico, um ser cuja estruturação interna seguia os mesmos padrões que os nossos, mas que caminhou e progrediu existencialmente de forma horizontal, caminhou na matemática, nas artes, e em várias outras instâncias desse nosso nível autogênico (PACKTER, 2013, p. 72-73).
Será que podemos mensurar qual compreensão é mais ampla, profunda ou adequada: a que se fez por vários caminhos horizontais, como o caso de Leonardo da Vinci, por exemplo; ou que a se dá por elevação autogênica? Pode se chegar às mesmas compreensões por vias diferentes?
Não é possível julgar, só o que podemos afirmar é que existem inúmeras formas de se compreender a existência e que elas estão de acordo com a Estrutura de Pensamento de cada pessoa, que se formou e se transforma conforme a historicidade de cada um.
Nesse caso, podemos afirmar que a compreensão que uma pessoa tem, não é imutável, provavelmente ela irá acompanhando as mudanças que ocorrem na E.P., na autogenia como um todo. E a própria compreensão – de algo – em alguns casos hipotéticos, poderá ser o motivo de mudança autogênica na E.P. de alguém.
Sobre alteração autogênica vertical, vejamos a conceituação trazida pelo Caderno I de Matemática Simbólica:
Alteração autogênica vertical significa deixar o plano horizontal atual e rumar para outro patamar, tanto para cima quanto para baixo. A alteração pode acontecer por movimentos inerciais, ou seja, pelas propensões inerciais e naturais da própria EP, as quais se configuram como sendo o caminho existencial desse indivíduo, ou pelos movimentos inerciais “artificiais” ou provocados por elementos que afetam o tópico com força de tração autogênica ou pela inserção intencional de vizinhanças de outros padrões. A movimentação de alteração de patamar deve ser gradual e sustentada para que seja segura e producente (PACKTER, 2013, p. 36).
Começamos este capítulo falando sobre a compreensão, depois dirigimo-nos para o campo das autogenias, relacionando-as por contrastes com as diferentes maneiras de compreensão.
Agora, por fim, vale ressaltar que se muitos dos Vizinhos[4] atuais não podem acompanhar quando há uma mudança vertical (tanto para baixo ou para cima), muitos dos problemas que temos também só existem no nível autogênico no qual nos encontramos. De acordo com Packter (2013),
Quando muda o padrão autogênico e a Estrutura de Pensamento como um todo se eleva, o que acontece é que os problemas que nós temos não nos acompanham, esses problemas e necessidades são próprios daqui mesmo, deste nível autogênico em que nos encontramos, se formos para baixo eles não nos acompanham e se subirmos também não, pois eles não têm oxigênio para ali viver, não tem lugar de existência nestes outros patamares, pois as estruturas existenciais vigentes ali são diferentes. Por isso que quando temos uma compreensão profunda de algo, entendimento de algo, e isso nos modifica como um todo, aquilo que estava nos matando se torna tão pequeno e dizemos: “nossa, como que eu quase morri por uma bobagem dessas?” (p. 109).
Essa compreensão profunda, esse entendimento de algo que nos modifica como um todo de que Packter nos fala, é o que acontece quando o indivíduo se eleva autogenicamente e, de lá, é capaz de compreender o que antes não entendia, de perceber coisas que não eram possíveis perceber antes no patamar em que se encontrava. “À medida que o indivíduo progride existencialmente, depura tópicos, ajusta questões, cessa conflitos internos, sua Estrutura de Pensamento como um todo tende a uma elevação autogênica, tornando-se menos mecânica, mais etérea” (PACKTER, 2013, p. 28).
Em outras palavras, o exercício de compreensão da existência que temos não é algo breve, ele nos acompanhará ao longo da nossa jornada de vida.
CONCLUSÃO
Neste artigo, buscou-se fazer uma reflexão sobre como se dá a Compreensão sobre as coisas que fazem parte da vida humana. E por se tratar da vida humana, é arriscado fazer conclusões pontuais, pois devido a tanta diversidade e singularidades existenciais, – tomo uma licença poética – para dizer que conclusão poderá vir a ser inconclusa.
A compreensão é um tema bastante subjetivo, por isso ainda haverá muito para se falar sobre ela, e este foi apenas um começo. Tratar das subjetividades que envolvem a alma humana é uma tarefa minuciosa, artesanal; embora difícil, apaixonante, em minha opinião.
Desde que nascemos fomos colhendo inúmeras compreensões pelos jardins da vida. Compreensões estas, das mais variadas espécies, de todos os tipos; desde aquelas fundamentais ao nosso sustento, até aquelas mais indesejáveis…
Há compreensões que são como flores das mais belas, que mesmo depois que se vão na forma concreta, ainda nos deixam a lembrança do perfume. Outras compreensões, até podem ferir como espinhos de rosas.
Há também outras compreensões que são como borboletas, ao aprisioná-las, elas morrem em breve. Assim como alguns Pré-juízos que se quebram e disso pode nascer uma nova compreensão, é como uma estrela que explode e dá a luz a uma supernova.
As compreensões que colhemos nos jardins da vida, acumuladas ao longo dos anos, até podem estar fadadas ao esvaziamento de nós mesmos. Trata-se da vida humana, as regras são tão outras, nesse caso, acumular não significa ter muito, pode ser perder tudo de tanto acumular…
Existe quem compreenda pela dúvida, compreensão por equivocidades, será possível? Compreender por Intuição? No meu caso, compreender a compreensão foi uma Busca neste artigo. Mesmo que alcançá-la seja distante, a caminhada mostrou que existem muitos tesouros a serem descobertos ainda, é impossível esgotar a existência humana em um escrito de poucas linhas.
Um pensamento histórico é capaz de projetar como compreendem os homens de um patamar autogênico como o de nossa época, em relação a como será a compreensão dos homens de uma época futura. Como seria? Para os padrões de época o que cabe a nós compreender?
Falar em padrões autogênicos e patamares existenciais de época, é algo permitido no campo da Matemática Simbólica[5], criada pelo filósofo, nosso professor Lúcio Packter. Tratamos de uma pequena parte desta área que são as Autogenias Verticais, pois a ideia inicial desde artigo era em torno da pergunta: como é a compreensão nas diferentes densidades autogênicas?
Os conceitos em autogenias, são passíveis de equívocos, por isso o professor Lúcio Packter, sempre procurou ser bastante cuidadoso, teve paciência e carinho com seus alunos, esperando pacientemente pela compreensão dos alunos.
Essa é uma das mais bonitas lições para nós: compreensão às vezes necessita de tempo de maturação e não é para todo mundo. Por isso, o mais importante é ir em direção às coisas que têm a ver conosco, verdadeiramente, porque no lugar que é de cada um, de fato, é que o ‘incompreensível’ acontece e tudo passa a fazer sentido àquilo que se é.
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[1] Estrutura de Pensamento (E.P.): “É o modo como a pessoa está neste planeta, no mundo, na sociedade, na família, no ambiente. Aquilo que a pessoa é. Todos os dados que a habitam e estão nela inter-relacionados: dados cognitivos, espirituais, abstratos, emocionais, comportamentais e existenciais. O Filósofo Clínico ao obter a EP da pessoa através dos exames categoriais, vai pesquisar o problema a ser tratado, como este está na EP da pessoa e como esta lida com o problema. (…) O que caracteriza uma EP é a sua plasticidade, sua singularidade. Cada EP traz seu próprio código genético. ” (PEDROSA, 2009b, p. 112-113).
[2] Uma E.P. cuja organização dos tópicos, ou seja, a autogenia, é mais etérea, conceitual, leve, menos mecânica.
[3] Uma E. P. cuja organização dos tópicos, ou seja, a autogenia é mais densa, menos conceitual, pesada, mais mecânica.
[4] “Vizinhança existencial é tudo aquilo que aparece na historicidade da pessoa, aquilo que está em contato com a EP, como os pensamentos, as sensações, as emoções, o que estudamos, aquilo que acreditamos, todos estes elementos quando em contato com a EP são vizinhos existenciais” (PACKTER, 2013, p. 20).
[5] “É o uso de símbolos (signos) matematizáveis em clínica. A Matemática Simbólica é a apreensão do todo, lida com universais, serve para trabalhar com grupos, instituições, cidades, sociedades, épocas. Ela pode lidar com conteúdos e permite a tipologia. Em contrapartida, trabalha com uma extensão muito maior tornando a compreensão pequena”. (PAULO, 2001, p. 159).
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BIBLIOGRAFIAS
PACKTER, Lúcio. Anexo de Estudo dos submodo: especialização em Filosofia Clínica. – Elaboração: Tarcísio Wickert. (Sem ed.) Instituto Packter, Porto Alegre. (sem data).
______________. Matemática Simbólica: caderno I. Semanas de Estudos – Compilação e transcrição: Gilberto Sendtko. ANFIC. Vol.1. (Sem ed.) Porto Alegre: 2013.
PAULO, Margarida Nichele. Compêndio de filosofia clínica. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2001.
PEDROSA, Rose. Filosofia Clínica: como fazer um trabalho de conclusão de curso. Fortaleza: Penso, 2009a.
______________. Vocabulário técnico da filosofia clínica. Fortaleza: Penso, 2009b.
ROHDEN, Huberto. Sabedoria das parábolas. 12.ed. São Paulo: Martin Claret, 2013.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.