Teoria dos Sentimentos Morais
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS,
The Theory of Moral Sentiments, or An Essay towards the analysis of the principles by which men naturally judge concerning the conduct and character first of their neighbours, and afterwards of themselves, 1759.
Essa obra retoma o texto de um curso de ética que Adam Smith deu na Universidade de Glasgow, onde ensinava desde 1751. O filósofo se propõe aqui retrabalhar um dos problemas filosóficos mais clássicos do Século das Luzes. Trata-se, como o título indica claramente, de compreender a natureza e a origem do “sentimento moral”, ao qual se atribuía no mais das vezes – até Kant – a responsabilidade de nossos juízos éticos.
Smith admite uma simpatia humana, que torna os indivíduos capazes de superar sua dimensão propriamente egoísta, para se tornarem sensíveis ao sofrimento alheio. Observa (como fará Kant) que a compaixão, ou piedade, também é da alçada do egoísmo. Mas a compaixão não age sozinha, pois “por mais egoísta que se suponha ser um homem qualquer, há evidentemente alguns princípios em sua natureza que o levam a ter interesse pela boa sorte dos outros, e que tornam a felicidade dos outros necessária para ele”. Assim, o sentimento moral do homem é organizado segundo sua natureza própria, mas também segundo a natureza inteira e segundo a comunidade hu¬mana. Assim como os moralistas empiristas e utilitaristas – seus compatriotas na maioria -, Smith acredita que o homem está destinado a manter com seus semelhantes relações de solidariedade e ajuda mútua, únicas capazes de promover a felicidade de todos. Essa idéia de felicidade possível é determinante. A tal ponto que leva Smith a uma afirmação um tanto paradoxal, que será contestada por Kant: o autor observa que nosso juízo moral nunca diz respeito unicamente a intenções que tenham orientado uma ação, mas integra sempre ao mesmo tempo os resultados, as consequências (sucesso ou malogro) dessa ação.
Para Smith está bem claro que o sentimento moral do homem não é ditado pelo interesse; se assim fosse, não seria possível entender por que ele nos sugere aprovar ações que nos são individualmente nocivas e desaprovar outras, mesmo que nos sirvam. A razão disso também não é o fundamento. Isto porque as regras não precedem um juízo moral que deduziríamos da aplicação de normas universais. Ao contrário, extraímos as regras gerais, por indução, do conhecimento dos casos particulares. Assim, a vida moral é feita tão somente de uma infinidade de situações singulares, sempre diferentes. Mas, ao contrário de outros moralistas (como o irlandês Francis Hutcheson), Smith recusa-se a admitir “sentido moral”, que se somaria aos sentidos por meio dos quais nos é dada a percepção do mundo exterior. Isto porque, segundo a Teoria dos sentimentos morais, nossos juízos morais têm uma infinidade de matizes, incompatíveis com a hipótese de um sentido moral único.
Embora Smith, que é deísta, pronuncie o mínimo possível o nome de Deus, o papel da providência está presente a cada página do livro. Nele se percebe um finalismo permanente.
O privilégio e mesmo a exclusividade atribuída ao sentimento na conduta moral leva Smith a terminar seu ensaio com críticas duras à casuística, cujas obras “procuram em vão determinar de maneira precisa o que só pode ser graças ao sentimento; como será possível encontrar regras invariáveis que fixem o ponto no qual, em cada caso particular, o sentimento delicado da justiça não passa de escrúpulo frívolo: que mos¬trem o instante exato em que a reserva e a discrição degeneram em dissimulação?”
Teoria dos sentimentos morais exerceu certa influência sobre as concepções morais do Iluminismo. Insere-se no grande movimento empirista, naturalista e deísta que está presente na reflexão ética – principalmente na Grã-Bretanha – durante o século XVIII.
Edição brasileira: Teoria dos sentimentos morais, São Paulo, Martins Fontes, 1999.
Estudo: J. Mathiot, Adam Smith, philosophie et éco¬nomie: de Ia sympathie à l’échange, col. “Philosophies”, P.U.F, 1990.