Conhecimento Objetivo – Popper
Karl Raimund Popper
Objective Knowledge, 1972.
KARL RAIMUND POPPER, 1902-1994.
No prolongamento de A lógica da pesquisa científica, Popper dedica-se aqui à elaboração de uma teoria objetiva (ou objetivista) do conhecimento que rompa definitivamente com o ponto de vista subjetivista tradicional – o do racionalismo cartesiano e o do empirismo de Locke, Hume ou Berkeley. Este de fato postula que “as experiências subjetivas são particularmente garantidas e constituem por isso um ponto de partida sólido ou uma base adequada”. Contra essa obsessão do fundamento, à qual a maioria dos filósofos sucumbiram, Popper toma o partido do senso comum, espontaneamente realista. Que os objetos de nosso ambiente conhecido não se deslocam sozinhos quando lhes damos as costas, estamos todos dispostos a admitir. Ora, essa atitude provém justamente de uma abordagem objetivista do conhecimento. Um conhecimento fiel à realidade e independente do sujeito cognoscente, tal é o conhecimento objetivo (ou conhecimento sem sujeito cognoscente) defendido pelo autor.
É para melhor ilustrar a situação particular de nossas teorias, conjecturas e suposições objetivas que Popper distingue, um pouco à maneira de Platão, três mundos: o “mundo 1”, ou o mundo físico; o “mundo 2”, ou o mundo de nossos estados de consciência e de nossos pensamentos subjetivos; e o “mundo 3”, ou o mundo do pensamento objetivo, constituído pelos conteúdos lógicos dos livros, das teorias, dos problemas, das discussões, das obras de arte etc. A raça humana poderia perfeitamente desaparecer, e os habitantes do terceiro mundo, que são as “teorias em si” por ela produzidas ao longo de sua história, nem por isso deixariam de existir. Pois o mundo 3 é autônomo: as soluções nele nascidas podem dar origem a novos problemas, a novas discussões, a novas soluções, que se enriquecerão por sua vez. Tampouco o terceiro mundo de Popper é o mundo imutável das Ideias de Platão. Ele evolui, progride ao sabor das conjecturas e das refutações elaboradas pelos homens. Assim, opera-se nele uma espécie de seleção darwiniana que divide nossas teorias em teorias caducas (porque invalidadas pelos testes) e teorias verossímeis (as que, até o presente, resistiram à prova dos testes).
Se esse terceiro mundo é uma criação da racionalidade humana, esta, em contrapartida, deve muito ao terceiro mundo. É essa autotranscendência que, para Popper, constitui o fato mais marcante da evolução humana: “Ocorre com nossas teorias o que acontece com nossos filhos: tendem a tornar-se em grande parte independentes de quem lhes deu vida. E, assim como isso pode ocorrer com nossos filhos, também ocorre com nossas teorias: pode ser que recebamos delas maior quantidade de conhecimento do que aquele com que as dotamos no início”, escreve o autor como conclusão.
Edição brasileira: Conhecimento objetivo, Belo Horizonte, Itatiaia, 1975.
Estudo: R. Bouveresse, Karl Popper, ou Le racionalisme critique,Vrin, 1987.